domingo, 12 de dezembro de 2010

O legado de um cristão relutante: C S Lewis e As Crônicas de Nárnia.

Em 1929, um homem de 31 anos de idade, que havia sido soldado no 1ª Guerra Mundial servindo ao exército britânico, deixava de ser ateu e se convertia ao Cristianismo, seu nome era Clive Staples Lewis e em suas próprias palavras "o mais deprimido e relutante converso de toda Inglaterra". Esse homem passou a ser conhecido pela história como C S Lewis e esse relutante cristão deixou como legado uma das mais impressionantes obra da literatura universal: As crônicas de Nárnia. Nessas crônicas reunidas em sete livros, ele conta sobre um mundo paralelo, quando a Física Quântica ainda nem imaginava a possibilidade de Universos Paralelos, chamado Nárnia. Nesse mundo paralelo existem, de fato, seres que só existem na imaginação humana, faunos, dríades, minotauros, centauros, animais falantes, anões, gigantes, cavalos alados. E nesse mundo paralelo se repete uma história de redenção tal e qual existiu nesse mundo: um ser divino teve que se sacrificar para salvar o mundo dominado por uma força maligna. Esse ser divino é um leão falante que se chama ASLAM.
Aslam nada mais é do que a representação do Cristo, que nasceu de uma virgem chamada Maria, na cidade de Belém, durante a dominação romana da Judeia, no reinado de César Augusto. Este a quem deram o nome de Jesus cresceu como um carpinteiro, aos 30 anos se tornou um rabi, juntou 12 discípulos, pregou e ensinou durante 3 anos, foi preso, morto e sepultado, mas (a história não acaba aí) ressuscitou e designou aos seus discípulos remanescentes a tarefa de anunciar uma boa nova: DEUS veio ao mundo para resgatar a humanidade. Aslam faz em Nárnia o que Cristo fez na Terra. Esse cristão relutante foi impactado pela mensagem das boas novas a de que esse Universo natural foi irrompido pela realidade supranatural e resolveu expressar esse acontecimento de maneira fabulosa (relativo a fábula).
Enquanto escrevo essas linhas é o mês de dezembro de 2010, mês da comemoração do Natal (a data do nascimento de Cristo) e juntamente com essa data é lançado o 3º filme das Crônicas de Nárnia, A Viagem do Peregrino da Alvorada.
Como os seus escritos foram profundamente impactantes em minha vida, resolvi deixar aqui a minha contribuição a este legado, dando aos leitores de C S Lewis a oportunidade de conhecer a fonte de inspiração para a criação de Nárnia: um bosque nas cercanias de Oxford, próximo a The Kilns (a antiga residência de C S Lewis).  Esse bosque foi transformado na C.S. Lewis Nature Reserve (Reseva Natural de C.S. Lewis).
 




(clique na imagem para ampliar)
THE KILNS (Os Fornos). Lar onde C S Lewis viveu em Oxford e onde veio a falecer em 1963.





Essa é a C S Lewis Natural Reserve, reserva natural de C S Lewis, situada em Oxford.




Lagoa no C.S. Lewis Nature Reserve. Lewis costumava passar bastante tempo aqui. 




Clareira na C.S. Lewis Nature Reserve, uma área arborizada encantadora que esteve na propriedade de Lewis e foi a parte da inspiração de Nárnia.



Se você quiser saber mais e melhor acesse o site: http://www.sacred-destinations.com/england/oxford-c-s-lewis.htm. A página está em inglês, mais nada que um bom tradutor na Internet não possa resolver. Nessa página você encontrará não somente detalhes da C.S. Lewis Nature Reserve, como também da vida de C S Lewis e de outros lugares por onde ele passou e viveu em Oxford.

FELIZ NATAL PARA TODOS!

ou dizendo em outras palavras:

FELIZ CELEBRAÇÃO DO NASCIMENTO DE CRISTO!


quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O Divórcio entre a ciência e a religião.


Eraldo Luis Pagani Gasparini*



O objetivo deste trabalho é analisar a separação ocorrida entre a ciência e a religião no ocidente. Através de uma analise bibliográfica tendo Rubem Alves como referencial teórico, pode se observar uma ruptura entre a ciência e a religião. No alvorecer da ciência moderna, a mesma esteve ligada a religião até o final do século XVII na Europa. Contudo um processo de separação começou a ocorrer gradativamente a partir do final do século XV com o Renascimento e que se efetivou no século XVIII com o movimento iluminista.
Se analisarmos os textos dos cientistas dos séculos XVI e XVII, como Isaac Newton, Johannes Kepler ou Blaise Pascal, observaremos a relação intrínseca entre a ciência e a religião, a fé e a razão. Lemos de Isaac Newton em sua obra Óptica, essa exposição sobre o átomo: “Parece provável para mim que Deus no começo formou a matéria em partículas movíveis, impenetráveis, duras, volumosas, sólidas (...) nenhum poder comum sendo capaz de dividir o que Deus, ele próprio, fez na primeira criação”. Isaac Newton, o pai da Física Clássica, ao descrever o átomo descreve-o como uma criação de Deus e seu envolvimento com a teologia é tão intenso que extrapola numa de suas principais obras científicas Philosophiae Naturalis Principia Mathematica:

Este magnífico sistema do sol, planetas e cometas poderia somente proceder do conselho e domínio de um Ser inteligente e poderoso. E, se as estrela fixas são os centros de outros sistemas similares, estes, sendo formados pelo mesmo conselho sábio, devem estar todos sujeitos ao domínio de Alguém... Esse Ser governa todas as coisas, não como a alma do mundo, mas como Senhor de tudo; e por causa de seu domínio costuma-se chamá-lo Senhor Deus Pantokrátor, ou Soberano Universal.
Johanes Kepler, um dos pais da astronomia moderna, vai escrever o seguinte no início de sua obra Harmonias dos Mundos: “Estou livre para me entregar a loucura sagrada, estou livre para importunar os mortais com a confissão franca de que estou roubando os vasos de ouro dos egípcios, para construir com eles um templo para meu Deus, longe da terra do Egito”. Blaise Pascal, físico, matemático e filósofo francês, tem como sua obra principal, “Pensamentos”, uma obra teológica, onde está escrito o seguinte: “Jesus Cristo é o objeto de tudo e o centro para onde tudo converge. Quem o conhece, conhece a razão de todas as coisas”. O próprio Nicolau Copérnico, muito citado pela sua Teoria Heliocêntrica, foi cônego na Catedral de Frauenberg. Estes exemplos acima citados são somente alguns que ilustram a ligação entre ciência e a religião no passado.
Por que, então, essa comoção ao se tratar da relação entre ciência e religião, fé e razão? Será que religião, em especial a cristã, e ciências são incompatíveis, antagônicas e que a primeira leva ao atravancamento da última?
Uma das cenas que vem exaustivamente a nossas mentes é a do cientista italiano Galileu Galilei, idoso, adoentado, sendo conduzido com o auxílio de terceiros ao Tribunal da Santa Inquisição em Roma para se retratar de suas idéias hereges contestadoras da fé e da autoridade da Igreja Católica. Cena esta constantemente relembrada nos meios midiáticos. Junto com a cena vem um raciocínio de como a religião atravanca não somente o desenvolvimento cientifico, mas também a evolução do gênero humano. Como surgiu essa relação de animosidade entre ciência e religião?

Para compreendermos esta animosidade é necessário entendermos o que surgia no horizonte histórico daquele momento que era a queda do modelo feudal e a ascensão do capitalismo. Precisamos entender o surgimento do capitalismo em sua faceta mais distinta, a racionalização dos meios de produção e para isto temos que recorrer a Max Weber e a sua analise.

Max Weber em sua obra “A ética protestante e o espírito do capitalismo” mostra que para a ascensão do capitalismo foi necessário que houvesse uma racionalização nos meios de produção, racionalização esta produto da ética protestante. Esta racionalização não foi somente dos meios de produção, mas da vida. Max Weber em outra obra escreverá que o surgimento e o desenvolvimento do capitalismo aconteceu por meio “da empresa permanente e racional, da contabilidade racional e do direito racional. A tudo isso se deve ainda adicionar a ideologia racional, a racionalização da vida, a ética racional da economia”. O capital para gerar lucro não deve ser tratado de maneira irresponsável, não deve ser usado para satisfazer aos desejos e prazeres do seu possuidor, deve haver todo um cuidado, um zelo administrativo isento de paixão, uma aplicação técnica e racional para obtenção do lucro. Em síntese para que haja capitalismo é necessária a racionalização da vida em todas as suas instâncias. Isso pode ser claramente observado na doutrina e postura dos protestantes dos séculos XVI e XVII. Por essa racionalização da vida ser mais presente entre os protestantes o número de cientista entre eles era maior, Weber constatou uma maior tendência a formação técnica entre os protestantes do que entre os católicos. Entre os cientistas adotados como exemplo, somente Blaise Pascal era católico, mas até mesmo ele tem uma postura típica protestante por ser jansenista, pois o jansenismo seria uma espécie de calvinismo católico. Tanto a teologia dos protestantes calvinistas como dos jansenistas tinha sua base em Santo Agostinho. Max Weber escreveu que seu ensaio mostrava que o racionalismo ascético herdado da ética protestante havia invadido as relações sociais, mas que “depois teria de ser analisado em relação ao desenvolvimento do empirismo filosófico e científico”.

Rubem Alves em um opúsculo intitulado “O que é Religião” procura fazer uma síntese das idéias teóricas mais correntes sobre o que é religião a partir de Durkheim, Karl Marx, Ludwig Feuerbach, Freud. E ele aponta alguns caminhos interessantes no capítulo sobre o título “O exílio do sagrado”. Até por volta do século XVI, havia uma proeminência da religião sobre a sociedade européia, ela permeava todos os níveis da sociedade, quer da classe mais alta a mais baixa, quer na política, economia, ciência ou comércio. O sagrado esta por toda à parte no sino anunciando o alvorecer ou à tarde na ave-maria, no calendário marcando as festas dos dias santos, no trabalho com a terra, no brasão dos nobres. Os seus símbolos estão espalhados por toda a parte, na choupana do camponês, na casa do citadino, no castelo do nobre, no hábito dos monges e das freiras, nos adornos da donzela e da matrona, dos barões, duques e príncipes ou na coroa dos imperadores. O sagrado a tudo permeia e invade até mesmo os recantos da Universidade. A Teologia é a maestrina que rege todos os conhecimentos e sem ela nada se produz, é um período na Europa em que a visão das pessoas está centrada em Deus e seu Verbo.

Conhecer alguma coisa era saber a que fim ela se destinava. E os filósofos se entregavam à investigação dos sinais que, de alguma forma, pudessem indicar o sentido de cada uma e de todas as coisas. E é assim que um homem como Kepler dedica toda a sua vida ao estudo da astronomia na firme convicção de que Deus não havia colocado os planetas no céu por acaso. Deus era um grande músico-geômetra, e as regularidades matemáticas dos movimentos dos astros podiam ser decifradas de sorte a revelar a melodia que Ele fazia os planetas cantarem em coro, no firmamento, para o êxtase dos homens.

Todos os aspectos da sociedade européia eram ordenados pela religião, “aconteceu, entretanto, que aos poucos, mas de forma constante, progressiva, crescente, os homens começaram a fazer coisas não previstas no receituário religioso”. Uma nova ordem estava surgindo não mais baseada na terra, feudal, mas baseada nos bens, no dinheiro, no capital. Promovida, por uma classe que almejava sair de seu status intermediário e alcançar o topo, a burguesia. E como novo ordenador da sociedade não mais a religião, a fé, mas a ciência, a razão:

Em oposição aos cidadãos do mundo sagrado, que haviam criado símbolos que permitissem compreender a realidade como um drama e visualizar seu lugar dentro de sua trama, à nova classe interessavam atividades como produzir, comercializar, racionalizar o trabalho, viajar para descobrir novos mercados, obter lucros, criar riquezas... Sua intenção era produzir, de forma racional, o crescimento da riqueza. Isso exigia o estabelecimento de um aparato de investigação que produzisse os resultados de que se tinha necessidade. E que instrumento mais livre de pressupostos irracionais religiosos, mais universal, mais transparente pode existir que a matemática? Linguagem totalmente vazia de mistérios, totalmente dominada pela razão.

Dentro do mesmo processo, no século XVIII, floresceu um movimento filosófico chamado de Iluminismo, que buscava a separação entre ciência e religião. Esse movimento intelectual tinha como fundamentos a crença inabalável na razão e a idéia de que o progresso humano poderia ser ilimitado, desde que o mesmo, se libertasse das tolices, ignorância, supertições e o misticismo. Para o físico brasileiro Marcelo Gleiser isso foi essencial para a ciência:

O papel da religião em ciência transformou-se profundamente, de ator a uma memória “proibida”, quase que embaraçosa.
Será que essa separação entre ciência e religião é realmente necessária? Sem dúvida. Ela serve como proteção contra o subjetivismo na prática científica, garantindo que a ciência continuará a ser uma linguagem universal numa comunidade extremamente diversificada. O discurso científico é, e deve ser, livre de qualquer conotação teológica.
A partir de então a religião e a fé foram banidas da ciência. Esta posição foi demonstrada através de um dos seguidores do iluminismo, o físico e astrônomo francês Pierre Simon (1749-1827), o marques De Laplace, em diálogo com o Imperador Napoleão ao término da apresentação de sua teoria científica:

“Napoleão: Monsier Laplace, por que o Criador não foi mencionado em seu livro Mecânica Celeste?
Laplace: Sua Excelência, eu não preciso dessa hipótese”.
Assim de maneira constante e progressiva a divisão entre ciência e religião foi efetuada. Como atestou Rubem Alves, atualmente não há mais lugar nas ciências para cientistas como Kepler:

A ciência e a tecnologia avançaram triunfalmente, construindo um mundo em que Deus não era necessário como hipótese de trabalho. Uma das marcas do saber científico é seu rigoroso ateísmo metodológico: um biólogo não invoca maus espíritos para explicar epidemias; nem um economista, os poderes do inferno para dar contas da inflação, da mesma forma que a astronomia moderna, distante de Kepler, não busca ouvir harmonias musicais divinas nas regularidades matemáticas dos astros.
Uma aliança entre o capitalismo e a ciência foi se formando. O sistema capitalista tem a sua manutenção através do corpo de especialistas formados pelas ciências, são eles que procuram concertar as suas falhas, fazem a gestão de suas crises, criam novos mercados, inventam novos produtos. Antes da ascensão do capitalismo e, por conseguinte da ciência, era a religião quem dava sentido ao mundo, quem ordenava a sociedade. Essa animosidade aponta para uma disputa de poder entre a antiga forma de ordenação da sociedade, a religião, e a atual forma, a ciência. Os maiores embates dessa disputa se deu contra a Igreja Católica Apostólica Romana, a instituição que durante aproximadamente mil anos foi detentora do monopólio da fé e, conseqüentemente, da sociedade.
Provavelmente, de todas as instituições pertencentes ao mundo feudal, nenhuma atraiu tanto o ódio dos autores do século XVIII quanto a Igreja Católica. Não somente a filosofia tornou-se materialista para atingir o coração da religião, como romances foram escritos com o propósito de criticar a Igreja e a religião.
A maneira como seus autores olharam a Igreja tem a sua explicação. Ela tem suas raízes no combate que então se tratava contra a feudalidade. Para se atingir a sociedade feudal era preciso atacar o seu baluarte, a Igreja, instituição por excelência do mundo feudal. Partindo desses pressupostos, o papel que a Igreja desempenhara na história teria que ser considerado, pois, de maneira negativa.
A Igreja Católica durante o período medieval ordenava até mesmo o que comer e quando comer (durante o período da quaresma só podia se comer carne de peixe), quando trabalhar (o calendário católico era cheio de festas religiosas e dias santos que deviam ser observados sem trabalho), a divisão do trabalho (oratore, belatore, laboratore) , o que era verdadeiro ou não. Aos contestadores da Igreja Católica Apostólica Romana havia o Tribunal da Santa Inquisição, destinado a interrogar, com a torturar se necessário, julgar e aplicar a pena aos incontinentes. Entre as penas estavam o exílio, chibatadas, perda de bens e imóveis, restrição de ofícios e a morte, que podia ser por estrangulamento ou a fogueira. Afinal contestar a Igreja Católica Apostólica Romana era, não somente contestar a representante de Deus na Terra, mas também subverter a ordem vigente.
Desta maneira um embate começou e que continua a ser travado entre uma velha ordem embasada na fé e na religião e uma nova ordem embasada na razão e na ciência. Essa comoção ao se tratar da relação entre ciência e religião, fé e razão, este antagonismo entre partes que andaram juntas é fruto dessa demanda que teve seu ápice no século XVIII com o movimento iluminista.
As sociedades humanas precisam de ordem para sobreviver e nesse aspecto ciência e religião são iguais como atesta Rubem Alves:

Sei que isto parece contrariar todos os chavões acerca dos cientistas, que eles só trabalham com fatos, que só levam em consideração aquilo que pode ser visto, tocado e medido, em oposição às pessoas do senso comum que acreditam em coisas que não podem ser vistas. O que estou dizendo coloca os cientistas muito próximos aos religiosos e místicos:
“Nós olhamos não para as coisas que são vistas, mas para as coisas que não são vistas. Porque as coisas que são vistas são transitórias, mas as coisas que não são vistas são eternas” (Ap. Paulo, 2Cor. 4.18).
“O místico crê num Deus desconhecido. O pensador e o cientista crêem numa ordem desconhecida. É difícil dizer qual deles sobrepuja o outro em sua devoção não racional” (L. L. Whyte, cit. por A. Koestler. The Act of Creation. p. 260).
Não, não estou dizendo que religião é ciência nem que ciência é religião. Estou, ao contrário, sugerindo que em ambos os casos os indivíduos estão em busca de ordem e que todos eles, independentemente de convicções pessoais, concordam em que a ordem é invisível.

Tanto a ciência, como a religião, buscam a ordem do sistema ao qual os seres humanos estão inseridos. Mas a grande questão não debatida e não divulgada, pelo menos ao público comum, é quem é que dá as ordens?
Para aqueles que estão no meio acadêmico e já passaram da graduação isso está claro, a ordem burguesa estabelecida pelo capitalismo tem suas bases na ciência. É a ciência que dá ordem a sociedade atual. Atualmente é a ciência que diz o que se deve ou não comer (alimentos ricos em carboidratos devem ser ingeridos moderadamente e nada de comer gordura trans), quando trabalhar, a divisão do trabalho, o que é verdadeiro ou não.
E a ciência agora, controladora da ordem, reproduz o que ela tanto combatia na religião:

[...] agora, aos fatores psicológicos de ordem individual que Hume indicou, acrescentamos os fatores sociais e institucionais. Porque hábitos, costumes, expectativas, crenças, não existem no fundo do indivíduo, mas são sustentados pelo tênue fio da conversação que circula dentro de qualquer comunidade. Compreendemos mais, que a ciência, por participar do destino de todas e quaisquer instituições sociais, sofre também das mesmas enfermidades, o que é muito mau, mas contém também os mesmos impulsos vitais, o que é muito bom. Em nenhum lugar encontramos a inteligência pura, o que indica que ainda estamos vivos. Mas isto nos leva, ao final de nossa investigação sobre a ciência, a um ponto de exclamação ético. Porque descobrimos uma ciência, em virtude do seu “nascimento em pecado”, viciada pelas mesmas obsessões inquisitoriais que ela denunciou nas organizações eclesiástica.
Quando, na década de 80 do século XX, Rubem Alves escreveu o livro Filosofia da Ciência, de onde foi tirada a citação acima, contradizer a ciência era contradizer a ordem vigente, ser lançado ao ostracismo intelectual, receber a alcunha de “irracional”, receber a “censura acadêmica” por não escrever de acordo com os “cânones” metodológicos e teóricos. Agora, afinal contestar a Ciência é, não somente subverter a ordem vigente, mas também contestar a representante de Deus na Terra.
Claro, se Deus existisse para a Ciência, pois “todas as ciências, sem exceção, são obrigadas a um rigoroso ateísmo metodológico: demônios e deuses não podem ser invocados para explicar coisa alguma. Tudo se passa, no jogo da ciência, como se Deus não existisse...”.
O divórcio entre a ciência e a religião vai surgir no momento em que surge uma nova ordem na sociedade, uma ordem burguesa e capitalista que precisa da liberdade, liberdade para lucrar, para comprar, vender, fazer empréstimos sem intervenções ou proibições. Questões morais atrapalham os negócios. Com a ascensão da burguesia ao poder na Europa e no mundo ocidental em si, a sociedade passou a ser ordenada por um novo paradigma baseado na ciência e na razão. Na atualidade a ciência é a responsável para explicar a realidade, solucionar as crises do sistema e manter o mesmo funcionando. É desta disputa de poderes que proporcionou a separação de ambas e que faz com que haja, ainda hoje, atritos e embates entre a ciência e a religião, a razão e a fé.


* Especialista em História das Religiões pela Universidade Estadual de Maringá.


REFERÊNCIAS:
NEWTON, Isaac. Óptica In: COLEÇÃO OS PENSADORES: NEWTON. São Paulo: Nova Cultural, 1996, p. 295-296.
NEWTON, Isaac. Op. Cit. p. 256.
KLEPER apud HAWKING, Stephen. Os gênios da ciência: sobre os ombros de gigantes. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 114.
PASCAL, Blaise. Pensamentos In: COLEÇÃO OS PENSADORES: PASCAL. São Paulo: Nova Cultural, 1999, p. 178.
WEBER, Max. Origem do capitalismo moderno. In: COLEÇÃO OS PENSADORES: MAX WEBER. São Paulo: Abril Cultural, 1980, p. 169.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 39.
WEBER, Max. Op. Cit. p. 136.
ALVES, Rubem. O que é Religião. 9. ed. São Paulo: Vozes, 2008, p. 42-43.
ALVES, Rubem. Op. Cit. p. 44.
Ibidem p. 45, 47.
GLEISER, Marcelo. A dança do Universo: dos mitos de Criação ao Big Bang. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 193.
GLEISER, Marcelo. Op. Cit. p. 197.
ALVES, Rubem, Op. Cit. p. 9-10.
OLIVEIRA, Terezinha. In: Apontamentos, edição nº 77, Maringá: EDUEM, janeiro de 1999, p. 2-3.
Oratore: os que oram. Belatore: os que guerreiam. Laboratore: os que trabalham.
ALVES, Rubem. FILOSOFIA DA CIÊNCIA. Introdução ao jogo e suas regras. São Paulo: Brasiliense, 1981, p. 31.
ALVES, Rubem. Op. Cit. p. 172.
ALVES, Rubem. O que é Religião. 9. ed. São Paulo: Vozes, 2008, p. 116.

sábado, 2 de outubro de 2010

A Conquista dos bárbaros pela primitiva Igreja Católica


Eraldo Luis Pagani Gasparini

O Império Romano caiu sob o tacão dos povos bárbaros: godos, ostrogodos, visigodos, hunos, alanos, vândalos. As constantes invasões desses povos ao território romano fizeram sucumbir o mesmo no de 476 d.C. Obviamente, este não foi o único motivo para a queda do mesmo, mas foram os bárbaros que deram o golpe de misericórdia num império combalido.
Porém os Bárbaros começaram a enfrentar uma nova força: a Igreja Cristã. No começo esta relação foi de intensa hostilidade. Mas com o tempo aconteceu com os bárbaros o que aconteceu ao Império Romano, foram conquistados pela fé cristã.
O rei ostrogodo Teodorico que derrubou o último imperador romano do trono, foi também que mandou executar Boécio. Boécio foi um culto senador que escreveu De Consolatione Philosophiae, cristão convicto tentou conciliar a cultura romana com a dos novos povos. Porém seus esforços não foram reconhecidos e sua firmeza de caráter foi premiada com a morte.
A Igreja da época travou um duro embate para conquistar os bárbaros, enviando missionários, tendo suas igrejas saqueadas ou destruídas e tendo seus membros transformados em escravos.
Temos a história de Bonifácio que foi missionário entre os povos nórdicos, ele chegou a um local onde havia um grande carvalho. Esse carvalho era dedicado ao deus nórdico Thor, aos pés desse grande carvalho eram oferecido sacrifícios a Thor, sacrifícios esses que às vezes eram de seres humanos. Bonifácio convocou o povo e desafiou Thor a impedi-lo de cortar o seu carvalho. Começou cortando o carvalho com um machado quando, segundo a tradição, um forte e impetuoso vento surgiu e derrubou a árvore; assombrados os seus ouvintes se converteram a fé cristã.
Também a história do Bispo Patrício que alcançou a Irlanda ao evangelho, quando tinha a idade de 16 anos, a vila onde morava na Bretanha foi invadida pelos celtas e ele foi levado como escravo; alguns anos depois conseguiu fugir e voltou a sua terra. Tornou-se sacerdote e depois bispo quando resolveu alcançar os celtas da Irlanda para Cristo, conta-se que ele disputava com os druidas para ver qual deus respondia as orações. Um dia subiu sobre um monte e clamou a Deus para que as serpente abandonassem a Irlanda e desde aquele dia as serpentes desapareceram da Irlanda. Posteriormente, após sua morte, foi feito padroeiro da Irlanda.
Um grande esforço foi feito para alcançar esses povos, godos, visigodos, germânicos, francos. E após cerca de quatro séculos ela se concretizou com a formação do Sacro Império Romano quando Carlos Magno foi coroado rei na noite de 25 de dezembro do ano 800. Tendo a Cidade de Deus, obra de santo Agostinho, como guia, ele construí um reino da cristandade. Em seu império houve um desenvolvimento das ciências e das artes que ficou conhecida como renascença carolíngia.

O Pai da Mentira (um vídeo interessante de se ver, para curtir e pensar).

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

DO FANATISMO AO CETICISMO ÁRIDO

Eraldo Luis P. Gasparini


Seguir a Jesus não é uma tarefa fácil, cada dia é uma nova luta, uma luta muitas vezes injusta e cruenta, é percorrer um caminho estreito, difícil e sem pavimentação. E por isso muitos tendem para os lados, ora o esquerdo, ora o direito e em ambos os casos acabam se desviando do caminho original e rumando para outro destino.
Se por um lado temos aqueles que acreditam em tudo quanto é revelação, profecia, unção, ato profético chegando as raias do delírio coletivo, por outro lado temos aqueles que sistematizam tudo, racionalizam, polemizam, duvidam dos autores bíblicos e até da intenção final da Bíblia chegando ao ponto do pessimismo existencial. Se por um lado temos fanatismo, por outro temos um ceticismo árido. Por isso luto por uma Fé razoável e uma Razão crédula. Creio como John Stott escreveu que crer é também pensar; como Blaise Pascal que o coração tem razões que a própria razão desconhece; como Santo Agostinho que é necessário compreender para crer e crer para compreender.
Acho difícil ficar ao lado daqueles que crêem na “unção da galinha”, mas também acho difícil ficar ao lado daqueles que duvidam até da existência de Jesus e o divulgam como um mito. Estou com a minoria que crê que milagres existem, mas nem todos são de Deus, nem todos verossímeis e muitos são pura indução psicológica. Estou com a minoria que crê que Deus pode dar revelações, profecias, mas que todas, sim TODAS, são passíveis de serem julgadas e se consideradas errôneas a luz das Escrituras Sagradas de serem descartadas e até mesmo combatidas. Estou com a minoria que pensa antes de agir, calcula as despesas e os meios de concluir qualquer obra para Deus. Estou com a minoria que medita, pondera, considera, se concentra de dia e de noite na Lei do Senhor. Estou com a minoria que prefere amar e ser amado a receber uma “profetada”, ou a ficar divagando sobre a essência do nada. Bem disse C. S. Lewis que o Diabo engana o ateu e o bruxo no mesmo erro, um não acredita na sua existência, o outro acredita e sente um interesse excessivo e insalubre nele. Embora contrários eles são iguais.
Estou com a minoria que entendeu e aceitou o chamado do discipulado proposto por Jesus:


“Se alguém vem a mim e não aborrece a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs e ainda a sua própria vida, não pode ser meu discípulo. E qualquer que não tomar a sua cruz e vier após mim não pode ser meu discípulo.
Pois qual de vós, pretendendo construir uma torre, não se assenta primeiro para calcular a despesa e verificar se tem os meios para a concluir?
Para não suceder que, tendo lançado os alicerces e não a podendo acabar, todos os que a virem zombem dele, dizendo: Este homem começou a construir e não pôde acabar.
Ou qual é o rei que, indo para combater outro rei, não se assenta primeiro para calcular se com dez mil homens poderá enfrentar o que vem contra ele com vinte mil?
Caso contrário, estando o outro ainda longe, envia-lhe uma embaixada, pedindo condições de paz. Assim, pois, todo aquele que dentre vós não renuncia a tudo quanto tem não pode ser meu discípulo” (Lucas 14:26-33).
Isso não é para a maioria, não é para aqueles que se desviam para esquerda ou para a direita, mas para aqueles que seguem em frente, que insistem no Caminho.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

GOVERNO VIRTUOSO, QUEM O ACHARÁ?

Eraldo Luis P. Gasparini







No Brasil, atualmente, somos cheios de leis, tem o Estatuto do Idoso, Estatuto da Criança e Adolescente, Código do Consumidor, Leis contra crimes hediondos, etc e etc... Contudo a violência aumenta, o desrespeito as leis aumentam, a violação destas leis também. Criou-se a “Lei Maria da Penha” para combater a violência contra a mulher e nesses últimos meses tivemos notícias de vários crimes envolvendo a morte de mulheres com requintes de crueldade. O Estatuto da Criança e Adolescente que era para impedir maus tratos a crianças, permitiu brechas na lei que fazem com que traficantes aliciem adolescente para o tráfico de drogas.
No Brasil busca-se a diminuição de crimes com a edição de mais leis. Contudo esse não é o caminho correto. Para que tenhamos uma sociedade justa, honesta e ordeira precisamos de um governo que tenha virtudes e não vícios.
Perguntado pelo Imperador do antigo Reino de Lu, se este poderia se tornar mais próspero que o vizinho Reino de Qui, Confúcio respondeu:






O povo de Qui obedece à lei com medo de ser castigado. Respeitar a lei, porque somos civilizados e honestos, íntegros e dignos é o mais apropriado. Quando homens honrados governam, ladrões e corruptos desaparecem. Quem cuida da sua família e parentes, também cuida dos outros. Os homens devem moralizar-se e as mulheres cuidarem do lar e família... Órfãos, viúvas, velhos, doentes e fracos, o governo deve protegê-los. Então, as pessoas viverão felizes e trabalharão felizes, paz e harmonia imperarão.

No livro de provérbios da Bíblia há as seguintes afirmações:

“Quando os honestos governam, o povo se alegra; mas, quando os maus dominam, o povo reclama” (Provérbios 29:2 – NTLH).

“Como um leão furioso ou um urso feroz, assim é o governo mau que domina um povo pobre. O governador sem juízo será um ditador cruel; aquele que odeia a desonestidade governará por muito tempo” (Provérbios 28:15-16 – NTLH).

Os cidadãos respeitam as leis quando vêem que há um governo justo, honesto e cordato no poder. Quando um governo corrupto está no poder, o cidadão, por mais errado que esteja, se sente ofendido quando é punido. Quando este é multado, se sente roubado. Quando é advertido por uma autoridade se sente ofendido. Quando paga o imposto se sente lesado.
A virtude de seus governantes é que inspiram nos cidadãos de um país a prática da justiça, e do bom exemplo.
Mas governo virtuoso no Brasil, quem o achará???













sábado, 10 de julho de 2010

O CONHECIMENTO INCOMPLETO


Eraldo Luis P. Gasparini

O presente trabalho tem por objetivo demonstrar que a Realidade não pode ser obtida se fazendo uso exclusivo da razão, mas pode ser obtida se, e somente se, também se fizer uso da intuição. Por intuição, eu defino o processo não lógico e não racional para se chegar ao conhecimento de algo.
Durante muitos anos os cientistas acharam que mediante o uso da razão, os seres humanos poderiam chegar ao pleno conhecimento da realidade. O seu principal instrumento de interpretação era a matemática, que muitos achavam ser “a linguagem da natureza”. Contudo a realidade se mostrou mais complexa quando em 1905, Albert Einstein publicou sua Teoria da Relatividade e começou a esfacelar essa “crença” na razão. A Teoria da Relatividade de Einstein possibilitou compreender fenômenos da natureza até então envoltos em mistério. Principalmente os fenômenos subatômicos, que levaram Heisenberg a formular o Princípio da Incerteza que afirma ser impossível medir simultaneamente de forma precisa a posição e a velocidade de uma partícula, como um elétron, por exemplo. Está percepção aumento quando o matemático Kurt Gödel expôs sua Teoria da Incompletude.

O Teorema da incompletude de Gödel:

· Teorema 1: “Qualquer teoria axiomática recursivamente enumerável e capaz de expressar algumas verdades básicas de aritmética não pode ser, ao mesmo tempo, completa e consistente. Ou seja, sempre há em uma teoria consistente proposições verdadeiras que não podem ser demonstradas nem negadas.”

· Teorema 2: “Uma teoria, recursivamente enumerável e capaz de expressar verdades básicas da aritmética e algumas verdades de probabilidade formal, pode provar sua própria consistência se, e somente se, for inconsistente.”

Se em uma teoria matemática há consistência, haverá sentenças que não poderão ser demonstradas. Só é consistente a teoria se a mesma for inconsistente.
De acordo com o físico e cosmólogo Stephen Hawking, o Teorema da Incompletude “afirma que, dentro de qualquer sistema formal de axiomas, como a matemática atual, sempre persistem questões que não podem ser provadas nem refutadas com base nos axiomas que definem o sistema” (HAWKING, 2001, p. 139). Ou seja, os próprios axiomas limitam a obtenção do conhecimento.
O matemático e físico francês Blaise Pascal, já havia exposto tal limitação em sua obra “Pensamentos”. Nela ele contesta o racionalismo com a seguinte frase: “A última tentativa da razão é reconhecer que há uma infinidade de coisas que a ultrapassam. Revelar-se-á fraca se não chegar a percebê-lo” (PASCAL, 1999, p. 103).
“Conhecemos a verdade não só pela razão como também pelo coração” (PASCAL, 1999, p. 104).
O que o matemático Blaise Pascal sabia por intuição, o matemático Kurt Gödel demonstrou racionalmente pelo seu teorema.
A Teoria da Relatividade de Einstein demonstra através de uma analise das propriedades da luz que não somente o espaço é relativo, mas o tempo também. Numa experiência muito conhecida da Física a velocidade de um facho de luz é medida em relação a três referenciais. Em todos os casos a velocidade da luz é a mesma, ou seja, 300.000 km/s. O que se depreende que há um absoluto no Universo, a velocidade da luz, que não varia, mas é constante não importa o referencial. A Teoria da Relatividade demonstrou que não somente o espaço é relativo, mas o tempo também, de acordo com a circunscrição em que este se encontra no Universo. O que para nós situados no planeta Terra pode ser um dia, em determinado ponto da Constelação de Andrômeda poder ser um minuto. Assim Einstein demonstrou ser o tempo uma componente de nosso Universo. O nosso Universo se baseia num tripé formado pelo espaço, a matéria e o tempo. Isso leva-nos a afirmar que antes da existência do universo não havia tempo.
Santo Agostinho chegou a mesma conclusão, embora não tivesse o conhecimento de cálculo e física necessário para chegar a esta conclusão. Eis como ele responde a uma indagação feita sobre o tempo em seu livro Confissões:



Perguntam: "Que fazia Deus antes de criar o céu e a terra?" Ou também: "Como lhe veio à mente a idéia de fazer alguma coisa, já que antes nunca fizera nada?" Concedei-lhes, Senhor, a graça de pensarem bem no que dizem e de saberem que não se emprega o advérbio "nunca", onde não existe o tempo. Por conseguinte, dizer que "Deus nunca fizera nada" não é o mesmo que afirmar que Deus, em nenhum tempo, criara coisa alguma? Que eles vejam que nenhum tempo pode existir sem a criação, e deixem essa linguagem oca. Que estendam também o pensamento por aquelas coisas que estão antes, e entendam que Vós sois, antes de todos os tempos, o eterno Criador de todos os tempos.

Pela intuição, baseada unicamente em seu conhecimento sobre Deus, Santo Agostinho pode afirmar que o tempo também era um elemento do nosso Universo, concordando com a moderna teoria do Cosmos.
O postulado do Cristianismo é de que a realidade só pode ser entendida levando em consideração a existência de Deus, a existência de Deus não pode ser percebida racionalmente, embora pela razão possa se observar o Seu rastro. A existência de Deus, bem como a sua presença só poder ser percebida pela intuição, ou mais especificamente pela fé. Racionalmente falando a existência de Deus não pode ser demonstrada, o que concorda com a Teoria da Incompletude de Gödel, numa teoria matemática SEMPRE haverá sentenças que não poderão ser demonstradas. E se é irracional o uso da fé, recordemos que só é consistente a teoria, se a mesma for inconsistente.
Termino aqui com uma citação de Santo Agostinho que sintetiza bem:
“Intellige ut credas, crede ut intelligas" (É necessário compreender para crer e crer para compreender).
Para compreendermos a realidade razão e fé, lógica e intuição precisam estar unidas.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

COLEÇÃO OS PENSADORES: PASCAL. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
COLEÇÃO OS PENSADORES: SANTO AGOSTINHO. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
HAWKING, Stephen. O universo numa casca de noz. São Paulo: Arx, 2001.
TEOREMA DA INCOMPLETUDE DE GÖDEL. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Teorema_da_incompletude_de_G%C3%B6del. Data de acesso: 14 jun. 2010.




quarta-feira, 16 de junho de 2010

A UNIVERSIDADE MEDIEVAL


Iluminura do séc. XV mostrando uma cena de aula na Universidade de Bolonha.



Eraldo Luis Pagani Gasparini*









A Universidade Medieval tem seu início por volta do século XII, as primeiras instituídas foram as de Bolonha, Paris e Oxford (TRINDADE, 1999, p. 6). Dentro da perspectiva da Idade Média e das pessoas daquele período a Universidade Medieval é um local sagrado, é um lugar marcado pela sacralidade, monges, clérigos, sacerdotes ali se reúnem para transmitirem e produzirem os saberes. A Teologia é a maestrina que rege todos os conhecimentos e sem ela nada se produz, é um período na Europa em que a visão das pessoas está centrada em Deus e seu o Verbo, do qual “nada do que foi feito se fez” (Evangelho de João 1:3) e, por conseguinte nada poderia ser feito sem Ele. O sagrado esta por toda à parte no sino anunciando o alvorecer ou à tarde na ave-maria, no calendário marcando as festas dos dias santos, no trabalho com a terra, no brasão dos nobres. Os seus símbolos estão espalhados por toda a parte, na choupana do camponês, na casa do citadino, no castelo do nobre, no hábito dos monges e das freiras, nos adornos da donzela e da matrona, dos barões, duques e príncipes ou na coroa dos imperadores.

[...] surgiu aquele período de nossa história batizado como Idade Média. Não conhecemos nenhuma época que lhe possa ser comparada. Porque ali os símbolos do sagrado adquiriram uma densidade, uma concretude e uma onipresença que faziam com que o mundo invisível estivesse mais próximo e fosse mais sentido que as próprias realidades materiais. Nada acontecia que não fosse pelo poder do sagrado, e todos sabiam que as coisas do tempo estão iluminadas pelo esplendor e pelo terror da eternidade. Não é por acidente que toda a sua arte seja dedicada às coisas sagradas e que nela a natureza não apareça nunca tal como nossos olhos a vêem. Os anjos descem à terra, os céus aparecem ligados ao mundo, enquanto Deus preside a todas as coisas do topo de sua altura sublime (ALVES, 1981, p. 39-40).
O sagrado a tudo permeia e invade até mesmo os recantos da Universidade. E por isso a Universidade é parte integrante dessa sociedade, atendendo as suas necessidades e aspirações, ora participando das mudanças, ora fomentando elas. Numa época marcada pelo sagrado os Magísters procuravam responder as demandas dessa sociedade.


Conhecer alguma coisa era saber a que fim ela se destinava. E os filósofos se entregavam à investigação dos sinais que, de alguma forma, pudessem indicar o sentido de cada uma e de todas as coisas. E é assim que um homem como Kepler dedica toda a sua vida ao estudo da astronomia na firme convicção de que Deus não havia colocado os planetas no céu por acaso. Deus era um grande músico-geômetra, e as regularidades matemáticas dos movimentos dos astros podiam ser decifradas de sorte a revelar a melodia que Ele fazia os planetas cantarem em coro, no firmamento, para o êxtase dos homens (ALVES, 1981, p. 41).
Essa percepção do sagrado fruto do Cristianismo com sua instituição principal a Igreja Católica Apostólica Romana incentiva a leitura e o estudo e a partir do século XIV há uma expansão na oferta de escolas; “o êxito da escola deve-se, em parte, ao papel da Igreja, que tem a obrigação de ensinar: é preciso estudar a Bíblia para chegar a Deus, e as palavras da liturgia não toleram imprecisão. Cabe à Igreja atrair fiéis, que devem conhecer as preces e os preceitos” (BEAUNE, 2004, p. 49). Esse incentivo ao ensino provoca alterações na sociedade medieval que se apropria da escrita para suprir as suas necessidades cotidianas. Com o aumento e o fortalecimento das cidades a educação torna-se uma vantagem para aqueles que dominam a escrita e a escola passa a ser uma escada para a prosperidade do indivíduo, scolae scalae (a escola é uma escada). Esse aumento de escolas provoca uma demanda por mais mestres que são fornecidos pelas Universidades. “É preciso, enfim, atrair um mestre. As regiões economicamente desenvolvidas, as grandes cidades próximas de uma universidade, concentram as vocações para o magistério” (BEAUNE, 2004, p. 49).

Segundo Hélgio Trindade (1999), “a partir do século XII a universidade é inventada e se institucionaliza apoiada no trabalho dos copistas e tradutores, que preservaram grande parte do legado greco-cristão para formar clérigos e magistrados”. No seu surgimento a Universidade adota os mesmos moldes de outra instituição medieval, as corporações de ofício, “em sua fase áurea, esta se organiza através do modelo corporativo (Universitas scholarium et magistrorum), em torno de uma catedral (Alma Mater), abarcando vários domínios do saber, como: teologia, direito romano e canônico e as artes” (TRINDADE, 1999, p. 7).
Analisando a constituição da Universidade na idade média, a Profª. Terezinha de Oliveira vai escrever que:

[...] era necessário o estabelecimento de leis que protegessem a Universidade e assegurassem a sua liberdade, posto que a sociedade percorria outros caminhos e interesses. Contudo, essas leis ou privilégios, como queiram denominar, não impediram que essa Instituição se aproximasse dos interesses da comunidade e, muitas vezes, correspondesse aos seus anseios.
Concomitantemente, também, verificamos a promulgação de leis reais e papais (portanto, governamentais) visando aos interesses imediatos das Universidades. Assim, [...] pretendemos analisar, em linhas gerais, as origens dessa Instituição, considerada como um local novo, próprio do saber, que comungava com os interesses da comunidade e era, legitimamente, reconhecida como um espaço fundamental pelo governo laico e eclesiástico do medievo (OLIVEIRA, 2005).
Ainda que percorresse “outros caminhos e interesses” e fosse “considerada como um local novo, próprio do saber”, a Universidade é filha de seu tempo e os homens que dentro dela havia o são mais ainda, Roger Bacon (1215-1294) da Universidade de Oxford é um frade franciscano; Tomás de Aquino (1225-1274) é o Doctor Angelus (O Doutor Angelical) e sua maior obra é a Suma Teológica. São homens da Universidade, mas também do sagrado. O espaço é novo, as idéias são novas, mas o sagrado também permeia a mente dos intelectuais e esta instituição voltada para a sapiência, contudo se aproxima dos interesses da comunidade e se torna alvo dos poderes seculares e eclesiásticos. A Universidade não é um corpo estranho à sociedade medieval, a sua forma de organização e a sua linguagem são familiares àquele universo.
Jacques Verger, especialista francês em história, cultura e ensino da Idade Média, em sua obra Homens e saber na Idade Média, irá observar que a Universidade Medieval nasce com autonomia:

[...] essas primeiras universidades, para além da diversidade das instituições, tinham em comum serem organismos autônomos de natureza corporativa. Ser autônomo significa ser mestre de seu recrutamento, poder dotar-se de estatuto, poder impor a seus membros o respeito a uma certa disciplina coletiva e a regras de cooperação mútua, ser reconhecido como uma pessoa moral pelas autoridades exteriores, tanto eclesiásticas quanto laicas, poder, enfim, organizar livremente aquilo que era a própria razão de ser da cooperação universitária, quer dizer, o ensino, os programas, a duração dos estudos, as modalidades de exames que sancionavam esses estudos e a colação dos graus que coroavam o êxito nos ditos exames. As universidades eram, em alguma medida, federações de escolas (VERGER, 1999, p. 81-82).
A sua importância vai pouco a pouco se afirmando ao fornecer seus serviços ora aos poderes eclesiásticos, ora aos poderes laicos que constantemente se viam tentando aumentar ou conservar suas áreas de influência. Tanto um como o outro acabavam fortalecendo a Universidade nessa disputa.
Sobre a questão do favorecimento da Universidade pelo poder papal, Jacques Verger escreveu em um artigo que:

[...] papas favoreceram o desenvolvimento rápido das primeiras universidades, ao colocá-las sob sua proteção direta. Em Bolonha, Paris, Oxford, Montpellier, Pádua e Salamanca, eles ajudaram os mestres e estudantes a se subtraírem do controle das autoridades civis e eclesiásticas, para se organizarem em corporações autônomas, senhoras do seu recrutamento, do seu status, da organização do ensino e da colação dos graus.

Em retorno, evidentemente, esperava-se que essas corporações formassem um número suficiente de juristas e teólogos, de que a cristandade necessitava para dar à doutrina e ao direito da Igreja a formulação moderna que lhe permitisse responder eficazmente às aspirações dos contemporâneos, inclusive das camadas importantes da sociedade urbana, e daqueles que viviam em torno dos príncipes (VERGER, 2005, p. 55).
Ora, não só os poderes eclesiásticos “namoravam”, se podemos assim dizer, a Universidade, os poderes laicos também estendiam os seus favores a ela:

No início do século XIII, o papa e os príncipes encaravam essas instituições como importantes pontos de apoio político e cultural. Em função disso, editaram leis e bulas com o objetivo de instituí-las, protegê-las e nelas intervir, tanto no ensino como nas relações entre estudantes e mestres e entre estes e a comunidade.
As principais universidades do século XIII, Paris e Bolonha, foram criadas por essas autoridades. Dois grandes exemplos da influência desses poderes na organização da universidade medieval são a Authentica Habita, de Frederico Barba Roxa, de 1158, e a bula de Gregório IX intitulada Parens scientiarum universitas, de 1231. Ambas foram promulgadas para proteger a vida e os interesses dos estudantes e mestres e para organizar a vida acadêmica (OLIVEIRA, 2007).

Esta era uma instituição nascida no meio da sociedade da época, com valores e percepções próprios daqueles que viviam aquela época, organizada como as corporações de ofício, também num modelo típico da época, participante ativa das mudanças, protegida pelos interesses dos poderes laicos e religiosos, ou seja, para aquele momento ela era uma instituição “sagrada” no sentido amplo da palavra e concomitantemente respeitada.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ALVES, Rubens. O que é Religião. São Paulo: Brasiliense, 1980.

BEAUNE, Colette. Escola, a escada para a ascensão social. História Viva. São Paulo: ano I, nº. 5, p. 48-51, março de 2004.

OLIVEIRA, Terezinha. A universidade medieval: uma memória. In: IV Jornada de Estudos Antigos e Medievais, na Universidade Estadual de Maringá, outubro de 2005. Disponível em: . Acesso em 28 maio 2009.

OLIVEIRA, Terezinha. Origem e memória das universidades medievais a preservação de uma instituição educacional. Varia história, v.23 n.37, Belo Horizonte jan./jun. 2007. Disponível em . Acesso em 28 maio 2009.

TRINDADE, Hélgio. Universidade em perspectiva: Sociedade, conhecimento e poder. Revista Brasileira de Educação, n°. 10, Jan/Fev/Mar/Abril 1999. Disponível em Acesso em 28 maio 2009.

VERGER, Jacques. Homens e saber na Idade Média. Bauru, SP: EDUSC, 1999.

VERGER, Jacques. O alvorecer das Universidades. História Viva. São Paulo: ano II, nº. 17, p. 52-59, março de 2005.

domingo, 13 de junho de 2010

A TEOLOGIA CRISTÃ E O SURGIMENTO DA FÍSICA

Eraldo Luis Pagani Gasparini*


O objetivo deste artigo é investigar a existência de uma ligação da Física com a Teologia, em específico a Teologia Cristã. A premissa atual no campo das ciências é que religião, em especial a cristã, e ciências são incompatíveis, antagônicas e que a primeira leva ao atravancamento da última. Seria isto verdadeiro? Será que ciência e religião, razão e fé sempre estiveram em conflitos? A presente pesquisa busca responder essas questões a partir de análise bibliográficas. Os referenciais teóricos adotados para esta investigação foram R. Hooykaas com sua obra “A Religião e o desenvolvimento da Ciência Moderna” e Francis Schaeffer com sua obra “A morte da Razão”.
O método adotado foi a análise bibliográfica de textos de cientistas do século XVI e XVII, bem como de físicos contemporâneos como Stephen Hawking e Marcelo Gleiser.
A Física, enquanto disciplina cientifica, só surgiu no século XVI. Até então a “física era uma filosofia contemplativa sobre a essência (natureza, physis - gr. phýsis) das coisas” . Em princípio, eram chamados de físicos todos aqueles que se dedicavam ao estudo da natureza . Mais tarde, com o desenvolvimento do conhecimento, o campo de atuação subdividiu-se em várias partes, que se tornaram capítulos separados da ciência. Desta maneira, a Astronomia tornou-se a ciência que estuda os corpos celestes, a Biologia a ciência que tem por objeto o estudo dos seres vivos, a Química estuda as transformações das substâncias, e assim por diante. A Física tornou-se a ciência dos fenômenos naturais, do grego physiké que significa “relativa a natureza”. Atualmente essa definição não é mais adequada devido a grande expansão dos conhecimentos por ela abarcados . No dicionário da língua portuguesa Aurélio a Física está definida da seguinte maneira:

Física [Do lat. physica < gr. physiké, fem. de physikós.] Substantivo feminino. 1. Ciência de conteúdo vasto e fronteiras não muito definidas, que investiga as propriedades dos campos, as interações entre os campos de força e os meios materiais, as propriedades e a estrutura dos sistemas materiais, e as leis fundamentais do comportamento dos campos e dos sistemas materiais. Para a Física chegar a este status um processo histórico ocorreu, processo este que nos arremete aos séculos XVI e XVII e à Teologia Cristã. A sua concepção e o seu nascimento se dão em meio às universidades européias ligadas a conventos e igrejas destinadas a formação de clérigos. Mas, como num parto, certas barreiras precisaram ser rompidas para que ela surgisse. Uma das principais foi com a filosofia de Aristóteles (384-322 a.C.). Aristóteles foi um filósofo grego que na antiguidade elaborou um conjunto de leis para explicar o universo físico. No entanto muito de suas conjecturas sobre as leis que regem o universo estavam profundamente equivocadas. Albert Einstein vai expressar da seguinte maneira estes equívocos: "É fato conhecido dos leitores das ficções policiais que uma pista falsa confunde a história e protela a solução. O método de raciocínio ditado pela intuição era falso e conduziu a idéias falsas sobre o movimento que foram conservadas durante séculos. A grande autoridade de Aristóteles em toda a Europa foi, talvez, a razão principal da demorada crença nessa idéia intuitiva". Foi Aristóteles que disse que a Terra estava em repouso, era o centro do universo e que todos os corpos celestes, inclusive o Sol e a Lua, giravam em órbita da mesma e as estrelas estavam fixas no que ele chamava de esfera celeste . Mas por que as suas idéias não eram contestadas? Porque na Idade Média foi desenvolvida a filosofia escolástica que atribuía autoridade incontestável as fontes de conhecimento, entre elas os escritos de Aristóteles. Todas as ciências até ao final da Idade Média estavam restritas aos escritos de Aristóteles e dos filósofos gregos. Não que não houvesse produção científica na época, só que a mesma esbarrava na autoridade inconteste dos escritos clássicos. Um dos primeiros a contestar Aristóteles foi o frade franciscano Roger Bacon (c. 1219-1292) de Oxford, Inglaterra, que escreveu o seguinte: “Se pudesse ditar a ordem das coisas, queimaria todos os livros de Aristóteles, pois seu estudo é uma grande perda de tempo, e só pode causar erro e aumentar nossa ignorância... Parem de ser dominados por dogmas e autoridades, olhem para o mundo!” O que fez então com que a autoridade de Aristóteles fosse contestada? Olhando mais atentamente os textos da tradição grega, alguns teólogos perceberam que a mesma via a natureza, o mundo como um organismo vivo e divino que possuía um caráter inteligível . Ora, para um teólogo cristão isso é idolatria, pois só há um único e verdadeiro Deus. Do ponto de vista teológico cristão a natureza não poderia ser considerada como uma “entidade”. O que é a natureza então? Ela é criação e criatura de Deus. Deus como um artífice criou a natureza, a partir de um plano de Sua mente, dando-lhe um objetivo e finalidade. É essa visão de tradição judaico-cristã que passa a vigorar no meio teológico em relação à natureza: "Uma visão mais acentuadamente bíblica do mundo favoreceu, desde o século XVI, o desenvolvimento da ciência moderna e da sua correspondente concepção do mundo. O modelo do mundo como um organismo foi substituído pelo do mundo como um mecanismo; todo desenvolvimento de Copérnico a Newton pode ser apropriadamente denominado de mecanização do mundo". É essa visão bíblica da natureza, do mundo que fez com que os primeiros cientistas (e teólogos) investigassem os mesmos com um novo olhar; não com um olhar estético de contemplação do belo, ou um olhar de temor diante de uma divindade imprevisível, mas um olhar inquiridor, investigador das obras de Deus como descreveu Francis Schaeffer: "Os primeiros cientistas compartilharam também da perspectiva do Cristianismo na crença de que há um Deus racional, que criou um universo racional e, portanto, o homem, mediante o uso da própria razão, possui a capacidade de descobrir a forma do universo. Estas contribuições de tão alta monta, que nós hodiernamente tomamos por fatos óbvios, deram surto a ciência moderna nos seus primórdios". A teologia cristã permeava todo o pensamento científico dos séculos XVI e XVII, os primeiros cientistas modernos pensavam em fazer ciência no sentido de glorificar e exaltar a Deus, tanto é assim que o filósofo inglês Francis Bacon (1561-1626) termina o prefácio de sua obra Historia Naturalis da seguinte maneira: “Possa Deus, o Fundador, Preservador e Renovador do Universo, em Seu amor e compaixão pelos homens, proteger a obra, tanto em sua ascensão para Sua glória, como em sua descida para o bem do Homem, através de Seu único Filho, o Deus-conosco” . Mas uma das questões cruciais no século XVI e XVII é que o próprio pensamento estava se modificando, da escolástica para o empirismo histórico-natural e um dos principais propagadores desse método foi Francis Bacon. Ele defendia que o conhecimento devia ser adquirido da experiência (empirismo) através da coleta sistemática de fatos (histórico) de observação da natureza (natural). O homem devia se apropriar do conhecimento de Deus que está expresso em sua criação e não lançar sobre a mesma o seu raciocínio humano. O homem deveria aprender a “ler” o livro da criação escrito pelo próprio Deus, assim como lia as Escrituras Sagradas, o livro da revelação de Deus. De acordo com Hooykaas, Francis Bacon chegou mesmo a afirmar que quando Cristo disse “Vós errais, por não conhecerdes as Escrituras nem o poder de Deus”, estava se referindo aos dois livros, o das Escrituras e o das criaturas . Como se pode notar a base desse empirismo é a Bíblia. Podemos observar essa base bíblica num texto do Novo Testamento, epístola de Paulo aos Romanos, onde está escrito: "Porquanto o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das cousas que foram criadas" (Romanos 1:19-20). O que se depreende desse texto? O que um cientista na Europa em pleno século XVI pensava ao lê-lo? Que o homem observando cuidadosamente a natureza, as criaturas, ele pode conhecer os atributos de Deus, o seu eterno poder e sua própria divindade, ou seja, fazer ciência é fazer teologia. E Schaeffer vai escrever que “O Cristianismo era necessário para o começo da ciência moderna pela simples razão de que o Cristianismo criou um clima de pensamento que colocou o homem em posição de investigar a forma do universo” . Os primeiros cientistas da assim chamada “ciência moderna” foram teólogos, é possível perceber nas biografias descritas que alguns deles são apresentados como físico, matemático e teólogo ou cientista, filósofo, matemático e teólogo. Acrescido da sua nacionalidade e da época em que viveu. Entre os vários nomes de físicos que foram teólogos poderíamos citar Nicolau Copérnico, Isaac Newton, Johannes Kepler, Evangelista Torriceli e Blaise Pascal. Para exemplificarmos essa realidade analisaremos partes de trechos de alguns escritos dos cientistas Johannes Kepler, Isaac Newton e Blaise Pascal. Johannes Kepler (1571-1630) dividi com Nicolau Copérnico e Tycho Brahe a paternidade da Astronomia como ciência; foi ele quem elaborou as três leis do movimento dos planetas do sistema solar, que ficaram conhecidas como as Três Leis de Kepler. Ele foi enviado a Universidade Luterana de Tübingen para ser um pastor, tendo feito bacharelado e mestrado em teologia. Contudo lá ele se apaixonou pela matemática e a astronomia e após se formar foi ser professor . Sua obra considerada mais importante, onde as três leis dos movimentos planetários aparecem reunidas, foi Harmonice Mundi (Harmonias do Mundo) publicada em 1618. Analisando essa obra podemos notar a presença da teologia cristã na elaboração da explicação cientifica para a órbita dos planetas do sistema solar.
Na introdução de Harmonice Mundi, ele escreveu “como Deus o Melhor e Maior, que inspirou minha mente, e incitou meu grande desejo, prolongou minha vida e faculdades mentais” ; querendo com isso demonstrar que o feito de ter encontrado o formato elíptico da órbita dos planetas em torno do sol foi por obra divina. Esta descoberta o deixa extasiado a ponto de escrever: “Estou livre para me entregar a loucura sagrada, estou livre para importunar os mortais com a confissão franca de que estou roubando os vasos de ouro dos egípcios, para construir com eles um templo para meu Deus, longe da terra do Egito.” Mais adiante, explicando a proporção das órbitas planetárias, ele vai escrever: “Pois o Criador, que é a própria fonte da geometria e, como escreveu Platão, ‘pratica a geometria eterna’, não se desvia de Seu próprio arquétipo” . Isto tudo está escrito em meio a descrições astronômicas e demonstrações matemáticas.
Isaac Newton (1642-1727), cientista inglês, o pai da física clássica, formulador da Lei da Gravitação Universal, com contribuições na óptica e mecânica, criador do cálculo diferencial e integral, também teve profundo envolvimento com a teologia. Ele escreveu várias obras teológicas, sendo a mais importante, “Observações sobre as Profecias de Daniel e do Apocalipse de São João”. Os últimos vinte anos de sua vida são dedicados a assuntos teológicos. Em sua opinião seus estudos sobre teologia eram mais importantes que seus tratados científicos .
Pode se notar a presença da teologia em sua obra Philosophiae Naturalis Principia Mathematica (Princípios Matemáticos da Filosofia Natural), onde há um capítulo intitulado Do Sistema do Mundo, em que se lê:

"Este magnífico sistema do sol, planetas e cometas poderia somente proceder do conselho e domínio de um Ser inteligente e poderoso. E, se as estrela fixas são os centros de outros sistemas similares, estes, sendo formados pelo mesmo conselho sábio, devem estar todos sujeitos ao domínio de Alguém... Esse Ser governa todas as coisas, não como a alma do mundo, mas como Senhor de tudo; e por causa de seu domínio costuma-se chamá-lo Senhor Deus Pantokrátor, ou Soberano Universal".

A noção de universo para Newton esta necessariamente atrelada a de um Criador, que é o Senhor do Universo, que governa e sujeita o mesmo.
Ele não concebe uma filosofia natural sem Deus. Para ele, a explicação das leis da natureza passa necessariamente por um entendimento de Deus e seus atributos:

"O Deus verdadeiro é um Ser vivente, inteligente e poderoso; e, de suas outras perfeições, que ele é supremo ou o mais perfeito. Ele é eterno e infinito, onipotente e onisciente; isto é, sua duração se estende de eternidade á eternidade; sua presença do infinito ao infinito; ele governa todas as coisas e conhece todas as coisas que são ou podem ser feitas. Ele não é eternidade e infinitude, mas eterno e infinito; ele não é duração ou espaço, mas ele dura e está presente".

Em Optica (Óptica), Newton vai expor a sua teoria atomística do universo e sua explicação do que é um átomo parte do princípio de que Deus formou a matéria a partir deste:

"Parece provável para mim que Deus no começo formou a matéria em partículas movíveis, impenetráveis, duras, volumosas, sólidas, de tais formas e figuras, e com tais propriedades e em tal proporção ao espaço, e mais conduzidas ao fim para o qual ele as formou; e que estas partículas primitivas, sendo sólidas, são incomparavelmente mais duras do que quaisquer corpos porosos compostos delas; mesmo tão duras que nunca se consomem ou se quebram em pedaços; nenhum poder comum sendo capaz de dividir o que Deus, ele próprio, fez na primeira criação".

Para Newton, sem o conhecimento de Deus (teologia) não há uma ciência da natureza (física) sustentável.
Blaise Pascal (1623-1662), cientista francês, desenvolveu estudos em hidrostática e o cálculo das probabilidades, inventor da calculadora (se bem que a mesma só somava e subtraía) deixou a ciência e foi para o convento de Port Royale onde passou a escrever sobre teologia. A sua obra mais famosa “Pensamentos” é uma obra teológica.
Num século marcado pela insurgência do racionalismo, Pascal irá se opor a Descartes quanto as propriedades da razão. Tanto é assim que ele dedica algumas linhas a ele: “Escrever contra os que aprofundam demais as ciências. Descartes”.
Sua frase mais conhecida: “O coração tem razões que a própria razão desconhece” está escrito em sua obra Pensamentos, no Artigo IV - Dos meios de crer, num contexto de contestação aos atributos concedidos por Descartes a razão. No mesmo capítulo encontramos “Dois excessos: excluir a razão, só admitir a razão”; mais adiante temos “A última tentativa da razão é reconhecer que há uma infinidade de coisas que a ultrapassam. Revelar-se-á fraca se não chegar a percebê-lo” . Para Pascal, até como método o racionalismo tem as suas limitações, porque muitas vezes a natureza se comporta de maneira irracional, a água abaixo do gelo do leito de um rio congelado está a -4 °C e não está em estado sólido.
Contundo quando ele vai defender a fé cristã é que o teólogo dentro do cientista aparece:

"Não apenas conhecemos Deus somente por Jesus Cristo, como ainda conhecemos a nós mesmos somente por Jesus Cristo. Fora de Jesus Cristo não sabemos o que é nossa vida, nem nossa morte, nem Deus, nem nós mesmos.
Assim, sem a Escritura, que tem Jesus Cristo por objeto, nada conhecemos e só vemos obscuridade e confusão na natureza de Deus e na própria natureza".

Para Pascal não há ciência sem Deus e a razão perde o sentido de ser, mas quando o homem se encontra com Deus, através de Jesus Cristo, ele entende a razão de todas as coisas: “Jesus Cristo é o objeto de tudo e o centro para onde tudo converge. Quem o conhece, conhece a razão de todas as coisas” . A física deve convergir para a fé.
O que notamos através da análise dos textos desses cientistas dos séculos XVI e XVII? Que a concepção deles sobre ciência está profundamente ligada a sua fé e desta maneira eles desenvolvem uma nova disciplina: a Física. Isso é notado pelos físicos contemporâneos Stephen Hawking e o brasileiro Marcelo Gleiser, que dedicam capítulos em suas obras “Os gênios da ciência: sobre os ombros de gigantes” e “A dança do Universo: dos mitos de Criação ao Big Bang”, respectivamente, para tratar desse assunto. Dessa maneira percebemos que a Física nasce filha da matemática, da lógica, da tradição grega e da teologia, da tradição judaico-cristã. Essa relação mostra que nem sempre houve desacordos entre ciência e religião, muito pelo contrário, os textos analisados demonstram que só a partir de uma boa relação entre as duas é que uma nova disciplina científica pode surgir.


* Graduado em História pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul/Campus de Coxim e aluno do curso de Especialização em História das Religiões pela Universidade Estadual de Maringá (2008-2010).



REFERÊNCIAS:
AMALDI, Ugo. Imagens da Física: As idéias e as experiências, do pêndulo aos quarks. São Paulo: Scipione, 1995.
BÍBLIA SAGRADA. Tradução de João Ferreira de Almeida. Rev. e Atual. 2. ed. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.
COLEÇÃO OS PENSADORES: NEWTON. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
COLEÇÃO OS PENSADORES: PASCAL. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
EINSTEIN, Albert; INFELD, Leopold. A Evolução da Física. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1988.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. NOVO AURÉLIO SÉCULO XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. totalmente rev. e ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
GLEISER, Marcelo. A dança do Universo: dos mitos de Criação ao Big Bang. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
HAWKING, Stephen. Os gênios da ciência: sobre os ombros de gigantes. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
HOOYKAAS, R. A religião e o desenvolvimento da ciência moderna. Tradução: Fernando Dídimo Vieira. Brasília: Editora UnB, 1988.
SCHAEFFER, Francis. A morte da razão. 8. ed. São Paulo: ABU Editora, 2001.