domingo, 8 de dezembro de 2019

MINISTÉRIO DE APÓSTOLO – PARTE II

Reflexões Teológicas sobre o Apostolado na realidade brasileira



ERALDO LUIS PAGANI GASPARINI


Diante da realidade que se constrói no meio evangélico brasileiro, achei por bem fazer uma reflexão teológica maior sobre o ministério de Apóstolo. Já havia escrito anteriormente sobre isso. Acredito que a mesma não agradará nenhuma das partes, quer ao ramo tradicional quer ao ramo neopentecostal, contudo fiz essa reflexão após um exaustivo estudo não só do Novo Testamento, mas também da História da Igreja. E talvez quem sabe ajudar a Igreja de Cristo estabelecida no Brasil a ter uma teologia mais sadia. Que Deus tenha misericórdia de nós!


A palavra apóstolo significa “enviado”, num certo sentido todos os crentes em Cristo são apóstolos já que são “enviados” para serem testemunhas de Cristo e pregarem o evangelho. É por isso que no Credo Niceno-Constantinopolitano a Igreja é chamada de apostólica, já que Cristo a envia ao mundo como sua representante. Mas no tocante a ser um apóstolo, a ter o título, a autoridade, o cargo, isso de fato parou de ser empregado pela Igreja de Cristo após a morte do apóstolo João. A Igreja Cristã Primitiva[1] nunca mais empregou esse título a quaisquer dos líderes que posteriormente vieram.
No sentido Neo-testamentário de ser um apóstolo tal qual foram os primeiros discípulos de Cristo, no qual a Igreja esta alicerçada sobre as suas doutrinas (cf. Efésios 2:20), ninguém na atualidade tem autoridade para isso.
Mas postreriormente a Igreja de Cristo passou a empregar o título de missionário que é um sinônimo de apóstolo, mas sem a mesma autoridade. A palavra Missionário vem do latim MISSIONARIUS, “aquele que é mandado realizar uma tarefa”, de MISSIO, “ato de enviar”, de MITTERE, “enviar”. No sentido ministerial, de serviço a Deus, o termo missionário substitui muito bem o termo apóstolo, sem gerar nenhuma celeuma ou discussões teológicas acaloradas.
Há um conflito entre protestantes históricos e neopentecostais por causa do termo apóstolo. Os protestantes históricos devido ao postulado de Sola Scriptura entendem que o canon do Novo Testamento foi fechado (o que é corretíssimo) e que por isso o ministério de apóstolo também terminou, já que a Igreja está firmada sobre a doutrina dos apóstolos. Ora por essa lógica se há apóstolos, as Escrituras Sagradas ainda continuam sendo escritas já que ainda há apóstolos. E a grande preocupação dos protestantes históricos é que foi o fato de a Igreja ter negligenciado as Escrituras Sagradas que a fez apostatar da fé, fazendo que ela incorporasse vários elementos pagãos. O zelo dos protestantes históricos é correto e prudente.
Contudo a Bíblia cita outros apóstolos como Barnabé (Atos 13:2-4; 14:14), Andrônico e Júnias (Romanos 16:4) e Epafrodito (Filipenses 2:25). Conforme o texto de Atos aponta tais apóstolos seriam “Apóstolos do Espírito Santo”, ou sejam, seriam apóstolos de uma outra categoria diferente dos “Apóstolos de Cristo”. Tais apóstolos teriam a mesma função, mas não a mesma autoridade. É por isso que não há nenhuma Epístola de Barnabé ou de Adrônico ou Epafrodito na Bíblia. É isso que defendeu um dos historiadores reformados A. M. Renwick, professor de História da Igreja na  Faculdade da Igreja Livre da Escócia, em seu livro A Igreja Cristã e sua História (1958).
E é nesse ponto que digo a Igreja sempre teve apóstolos, não de Cristo, mas do Espírito Santo, não com a mesma autoridade, mas com a mesma função, a de serem arautos de Cristo e proclamarem o evangelho. Tais apóstolos hoje são chamados de MISSIONÁRIOS. Se admitirmos isso, preservaremos o postulado de Sola Scriptura.
Os neopentecostais podem usar o título de apóstolo, mas não da maneira que o fazem, colocando-o no topo de uma cadeia hierárquica. Isso não é bíblico. Estão distorcendo o real sentido de um apóstolo do Espírito Santo, que é o de proclamador de boas novas àqueles que não a ouviram. Reivindicar o título de apóstolo em nossos dias, como eram os apóstolos de Cristo, é compreender erradamente o ensino bíblico.
E assim concluo a minha reflexão, esperando na Graça de Deus que tais palavras possam contribuir para uma Igreja Evangélica mais saudável no Brasil.




Notas:                                                              

[1]     Por Igreja Cristã Primitiva me refiro aquela dos 4 primeiros séculos da era cristã.