Eraldo Luis Pagani Gasparini
Decidi contar uma história pessoal, como me formei em História. Essa é uma história tragicômica, contando agora damos boas risadas, mas na época a situação foi bem tensa.
Bom, na época eu residia na cidade de Rio Verde de Mato Grosso, que apesar do nome fica no Mato Grosso do Sul e não tem nada a ver com sua homônima Rio Verde em Goiás. Rio de Verde de M.T. fica na região norte do Mato Grosso do Sul próximo a cidade de Coxim. Em 2001, a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) resolveu abrir uma extensão, um campus na cidade de Coxim e disponibilizando 2 cursos, um de letras e um de história, ambos de licenciatura plena.
Então resolvi me inscrever e fazer o vestibular para o curso de história, passei e comecei a fazer o curso. E é ai que começa a aventura. Junto comigo passaram mais três pessoas para o curso de história e mais três para o curso de letras. Todos eram da cidade de Rio Verde de M.T. que dista 50 km de Coxim e tínhamos que ir de ônibus de segunda a sexta, pois os cursos eram presenciais. Saíamos as 18:00 hr para chegarmos as 19:15 na UFMS, pois o ônibus tinha que deixar antes os alunos em duas outras faculdades, e retornávamos a Rio Verde por volta das 23:45 hr.
Então é dessas viagens de ônibus que vou contar brevemente, porque elas dão um livro. A rodovia que une Rio Verde de M.T. a Coxim é a BR 163, conhecida no trecho entre Jaraguari e Cáceres no Mato Grosso como "rodovia da morte". Entre Rio Verde de M.T. e Coxim havia um trecho de menos de 1 km que num período de 5 anos registrou 25 mortes. Os familiares das vitimas em protesto fizeram uma paralisação e fincaram 25 cruzes a beira da rodovia no trecho perigoso. Assim passávamos 5 dias da semana vendo aquelas cruzes fincadas a margem da rodovia nos lembrando que poderíamos ser os próximos. E de fato vimos muitos acidentes: no primeiro mês na entrada de Coxim, vimos um motoqueiro morto estirado no chão com sua moto do lado e a Policia fazendo bloqueio esperando a ambulância vir pegar o corpo.
No outro ano, ficamos parados na rodovia cerca de 30 minutos porque uma carreta carregada de soja havia tombado na pista, esparramando a carga. Numa noite, não me lembro quando, retornávamos para a nossa cidade quando em certo trecho vimos os carros da policia rodoviária com suas luzes ligadas para avisar de um acidente na pista, dois carros haviam sofrido colisão frontal e estavam pegando fogo, os dois motoristas morreram carbonizados.
Em outra ocasião um caminhão frigorifico bateu em outro caminhão e tombou ao lado da pista, esparramando pelo acostamento sua carga de frangos congelados. Uma parte da carga a população levou, mas a maior parte da carga ficou esparramada ao lado da rodovia, a carne apodreceu e ficou lá se decompondo ao compasso da natureza. Durante cerca de mais ou menos seis meses ficamos sentindo o fedor da carne em decomposição quando passávamos pelo trecho.
Mas também sofremos os nossos acidentes no ônibus. Certa vez uma pedra solta do asfalto, devido ao grande tráfico de veículos pesados, foi arremessado contra o nosso ônibus e quebrou o vidro do mesmo. Nada aconteceu a nós e ao motorista e seguimos viagem rumo a Coxim. Na volta começou a chover e lembro-me do motorista pegando a jaqueta e o capacete de um dos alunos que tinha moto e vestindo-o para dirigir de volta a cidade de Rio Verde de M.T.
Imaginem a cena: um ônibus sem para-brisa, com um motorista vestindo um capacete dirigindo este ônibus debaixo da chuva.
Mas o mais espetacular foi o acidente com a vaca. O motorista depois de deixar todos os alunos em suas devidas faculdades resolveu ir calibrar os pneus do ônibus num posto na rodovia, já que a rodovia cruzava parte da cidade. Calibrado os pneus, ele adentrou de novo a rodovia para ir na faculdade mais próxima e esperar os alunos. Quando ainda estava na rodovia, uma vaca cruzou a pista de noite e foi abalroada por uma carreta e arremessada contra o ônibus que bateu nela. A vaca ao bater no ônibus além de quebrar o farol esquerdo e parte da frente do ônibus, defecou e soltou todas as suas fezes na lateral do ônibus. Ou seja o ônibus ficou todo lambuzado de merda de vaca na lateral esquerda. E desta maneira voltamos para as nossas casas, num ônibus com o farol quebrado e lambuzado de merda. Não é necessário dizer que algumas pessoas passaram mal e vomitaram no ônibus para complicar a situação. Hilário, né?!?
Hoje a gente lembra e ri, mas no dia a coisa foi muito desagradável.
Entre as muitas coisas que enfrentamos também foi o ônibus, o transporte de alunos, ter sido usado para questões políticas. Tivemos duras batalhas por causa disso, que causaram atritos entre os grupos de alunos. Mas por fim conseguimos superar isso e nos formar.
Recebemos os canudos de diploma vazios. Somente 2 anos depois em fevereiro de 2007 que eu viria a receber o meu diploma.
Em 12 de agosto de 2005 foi a nossa formatura no curso de História da UFMS Campus de Coxim, mas só vim a receber o meu diploma em fevereiro de 2007, quando já havia retornado a residir em Campo Grande - MS.
Eu poderia dizer mais coisas, mas acho que aquilo que eu e meus colegas passamos nas viagens do ônibus mostra como é difícil obter um nível superior em certas localidades do Brasil.