segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

DONS DO ESPÍRITO SANTO NA CONTEMPORANEIDADE


Eraldo Luis Pagani Gasparini

Infelizmente muitas vezes fazemos escolhas que não agradam a ninguém, ficamos em um ponto que julgamos ser o mais equilibrado e descobrimos que conseguimos a antipatia e a inimizade de ambas as partes que queríamos reconciliar. Em relação aos dons espirituais tenho uma posição que não agrada nem a pentecostais, nem a tradicionais.
Não sou teólogo, sou um cristão leigo, sou pós-graduado em História das Religiões e já fui professor de História da Igreja em algumas instituições teológicas. É a partir desse conhecimento que construí a minha posição sobre essa questão pneumatológica. Não vou entrar na questão exegética, porque já houveram muitas abordagens nessa área.
Sobre a questão dos dons espirituais, através da minha formação em História, descobri que há mais questões ideológicas do que teológicas envolvidas. Quando houve a Reforma Protestante no século XVI houve uma grande discussão envolvendo qual igreja seria a verdadeira, a católica ou a protestante, pois na época imperava ainda o pensamento “EXTRA ECCLESIAM NULLA SALVATIO” (traduzido do latim: Fora da Igreja, Não há salvação). Já que a Igreja é a detentora dos meios de salvação, qual é a verdadeira?
Os católicos diziam que eram eles, pois eles tinham a tradição, a sucessão apostólica. Os protestantes diziam que eram eles, pois para eles a igreja católica havia apostatado da fé e eles que seguiam o Evangelho (daí evangélicos). Os católicos contestavam os protestantes dizendo: onde estão os sinais, os milagres para atestar suas palavras?
E os reformadores não tinham sinal algum, eram todos homens de cátedra, acadêmicos, como Lutero, doutor em teologia ou Calvino formado em direito. Eram homens que pensavam, analisavam e concluiram diante da leitura das Escrituras Sagradas que a Igreja da época havia se desviado dos ideais da Igreja Primitiva. João Calvino não expulsava demônios, Martinho Lutero não orava em línguas, Ulrich Zwingli não tinha o dom de curar, mas manejava bem uma espada.
Lutero vai afirmar:
- “É melhor a Verdade sem milagres do que a mentira, ainda que faça chover milagres”.
E em outra parte Lutero vai dizer:
- “Fiz uma aliança com Deus: que Ele não me mande visões, nem sonhos, nem mesmo anjos. Estou satisfeito com o dom das Escrituras Sagradas que me dão instrução abundante e tudo o que preciso conhecer tanto para esta vida quanto para a que há de vir”.
Calvino vai escrever:
“Por exigirem de nós milagres, agem de má fé. Ora, não estamos a forjar algum evangelho novo; ao contrário, retemos aquele mesmo à confirmação de cuja verdade servem todos os milagres que outrora operaram Cristo como os Apóstolos”.
Assim os Reformadores passaram a pregar que os dons espirituais e milagres cessaram com a morte do último apóstolo e com o fechamento do cânon da Escrituras. Foi essa maneira que eles acharam para defender a fé evangélica, negando a contemporaneidade de milagres e afirmando que os milagres que ocorriam na Igreja Católica eram frutos da superstição e do maligno, já que embasados na idolatria e no uso de relíquias.
Foi dessa disputa, desse entrevero ideológico que surgiu a doutrina do cessamento dos dons espirituais e milagres, dai cessacionionismo. Foram por motivos ideológicos que os reformadores creram no cessar dos dons espirituais e milagres, com a finalidade de defender a verdade do evangelho. Pois o cerne do pensamento permanece: é melhor a Verdade sem milagres do que a mentira com milagres.
Como Disse Jesus:
“Se o seu olho direito o fizer pecar, arranque-o e lance-o fora. É melhor perder uma parte do seu corpo do que ser todo ele lançado no inferno. E se a sua mão direita o fizer pecar, corte-a e lance-a fora. É melhor perder uma parte do seu corpo do que ir todo ele para o inferno” (Mateus 5:28-29).
Ou em outras palavras, é melhor entrar aleijado no céu e do que inteiro no inferno.
Contudo isso não tira o fato de que Deus é Deus, Ele é soberano. Deus faz o que quer, aonde quer e quando quer. Se Ele quiser fazer milagres, quem somos nós para impedi-lo? Também não coaduna com a imutabilidade Deus, Ele não muda. Não podemos com o pretexto de preservar uma verdade, negar ou negligenciar outra. Estaremos sendo contraditórios, incoerentes doutrinariamente, pois se dizemos que Deus é soberano e imutável como poderemos dizer que Ele deixou de fazer milagres?
Assim entendo e defendo que os milagres e dons do Espírito Santo são para a atualidade, aliás Deus nunca deixou de operar milagres e distribuir dons porque os homens disseram que cessaram. Estão ai os missionários com relatos extraordinários para mostrar o contrário. Além do mais os Pais da Igreja, os Teólogos da Patrística, mencionam que em sua época haviam cristãos que exerciam dons espirituais, basta examinar os escritos de Tertuliano, de Orígenes, Irineu de Lion, Justino Mártir. Quem se debruçar sobre os textos deles verá que nos séculos II e III  ainda haviam crentes que manifestavam dons espirituais. Ora se havia dons espirituais é porque eles não cessaram com a morte do último apóstolo. Se os Protestantes reformados querem ser herdeiros da patrística, então eles devem rever mui humildemente suas posições. Eu já o fiz, por isso me tornei agostiniano e deixei de ser calvinista, já que Calvino era agostiniano. Eliminei o intermediário.
Creio que os protestantes históricos com sua erudição e eloquência deviam sim era fazer uma teologia dos milagres e dons espirituais, construir um corpo de doutrinas sobre o tema para que se evitassem os abusos e erros e conduzissem a Igreja de Cristo a uma prática mais saudável.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

MEU DIPLOMA DE HISTÓRIA

Eraldo Luis Pagani Gasparini


Decidi contar uma história pessoal, como me formei em História. Essa é uma história tragicômica, contando agora damos boas risadas, mas na época a situação foi bem tensa.
Bom, na época eu residia na cidade de Rio Verde de Mato Grosso, que apesar do nome fica no Mato Grosso do Sul e não tem nada a ver com sua homônima Rio Verde em Goiás. Rio de Verde de M.T. fica na região norte do Mato Grosso do Sul próximo a cidade de Coxim. Em 2001, a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) resolveu abrir uma extensão, um campus na cidade de Coxim e disponibilizando 2 cursos, um de letras e um de história, ambos de licenciatura plena.
Então resolvi me inscrever e fazer o vestibular para o curso de história, passei e comecei a fazer o curso. E é ai que começa a aventura. Junto comigo passaram mais três pessoas para o curso de história e mais três para o curso de letras. Todos eram da cidade de Rio Verde de M.T. que dista 50 km de Coxim e tínhamos que ir de ônibus de segunda a sexta, pois os cursos eram presenciais. Saíamos as 18:00 hr para chegarmos as 19:15 na UFMS,  pois o ônibus tinha que deixar antes os alunos em duas outras faculdades, e retornávamos a Rio Verde por volta das 23:45 hr.
Então é dessas viagens de ônibus que vou contar brevemente, porque elas dão um livro. A rodovia que une Rio Verde de M.T. a Coxim é a BR 163, conhecida no trecho entre Jaraguari e Cáceres no Mato Grosso como "rodovia da morte". Entre Rio Verde de M.T. e Coxim havia um trecho de menos de 1 km que num período de 5 anos registrou 25 mortes. Os familiares das vitimas em protesto fizeram uma paralisação  e fincaram 25 cruzes a beira da rodovia no trecho perigoso. Assim passávamos  5 dias da semana vendo aquelas cruzes fincadas a margem da rodovia nos lembrando que poderíamos ser os próximos. E de fato vimos muitos acidentes: no primeiro mês na entrada de Coxim, vimos um motoqueiro morto estirado no chão com sua moto do lado e a Policia fazendo bloqueio esperando a ambulância vir pegar o corpo.
No outro ano, ficamos parados na rodovia cerca de 30 minutos porque uma carreta carregada de soja havia tombado na pista, esparramando a carga. Numa noite, não me lembro quando, retornávamos para a nossa cidade quando em certo trecho vimos os carros da policia rodoviária com suas luzes ligadas para avisar de um acidente na pista, dois carros haviam sofrido colisão frontal e estavam pegando fogo, os dois motoristas morreram carbonizados.
Em outra ocasião um caminhão frigorifico bateu em outro caminhão e tombou ao lado da pista, esparramando pelo acostamento sua carga de frangos congelados. Uma parte da carga a população levou, mas a maior parte da carga ficou esparramada ao lado da rodovia, a carne apodreceu e ficou lá se decompondo ao compasso da natureza. Durante cerca de mais ou menos seis meses ficamos sentindo o fedor da carne em decomposição quando passávamos pelo trecho.
Mas também sofremos os nossos acidentes no ônibus. Certa vez uma pedra solta do asfalto, devido ao grande tráfico de veículos pesados, foi arremessado contra o nosso ônibus e quebrou o vidro do mesmo. Nada aconteceu a nós e ao motorista e seguimos viagem rumo a Coxim. Na volta começou a chover e lembro-me do motorista pegando a jaqueta e o capacete de um dos alunos que tinha moto e vestindo-o para dirigir de volta a cidade de Rio Verde de M.T.
Imaginem a cena: um ônibus sem para-brisa, com um motorista vestindo um capacete dirigindo este ônibus debaixo da chuva.
Mas o mais espetacular foi o acidente com a vaca. O motorista depois de deixar todos os alunos em suas devidas faculdades resolveu ir calibrar os pneus do ônibus num posto na rodovia, já que a rodovia cruzava parte da cidade. Calibrado os pneus, ele adentrou de novo a rodovia para ir na faculdade mais próxima e esperar os alunos. Quando ainda estava na rodovia, uma vaca cruzou a pista de noite e foi abalroada  por uma carreta e arremessada contra o ônibus que bateu nela. A vaca ao bater no ônibus além de quebrar o farol esquerdo e parte da frente do ônibus, defecou e soltou todas as suas fezes na lateral do ônibus. Ou seja o ônibus ficou todo lambuzado de merda de vaca na lateral esquerda. E desta maneira voltamos para as nossas casas, num ônibus com o farol quebrado e lambuzado de merda. Não é necessário dizer que algumas pessoas passaram mal e vomitaram no ônibus para complicar a situação. Hilário, né?!?
Hoje a gente lembra e ri, mas no dia a coisa foi muito desagradável.
Entre as muitas coisas que enfrentamos também foi o ônibus, o transporte de alunos, ter sido usado para questões políticas. Tivemos duras batalhas por causa disso, que causaram atritos entre os grupos de alunos. Mas por fim conseguimos superar isso e nos formar.


Recebemos os canudos de diploma vazios. Somente 2 anos depois em fevereiro de 2007 que eu viria a  receber o meu diploma.


Em 12 de agosto de 2005 foi a nossa formatura no curso de História da UFMS Campus de Coxim, mas só vim a receber o meu diploma em fevereiro de 2007, quando já havia retornado a residir em Campo Grande - MS.
Eu poderia dizer mais coisas, mas acho que aquilo que eu e meus colegas passamos nas viagens do ônibus mostra como é difícil obter um nível superior em certas localidades do Brasil.

domingo, 8 de dezembro de 2019

MINISTÉRIO DE APÓSTOLO – PARTE II

Reflexões Teológicas sobre o Apostolado na realidade brasileira



ERALDO LUIS PAGANI GASPARINI


Diante da realidade que se constrói no meio evangélico brasileiro, achei por bem fazer uma reflexão teológica maior sobre o ministério de Apóstolo. Já havia escrito anteriormente sobre isso. Acredito que a mesma não agradará nenhuma das partes, quer ao ramo tradicional quer ao ramo neopentecostal, contudo fiz essa reflexão após um exaustivo estudo não só do Novo Testamento, mas também da História da Igreja. E talvez quem sabe ajudar a Igreja de Cristo estabelecida no Brasil a ter uma teologia mais sadia. Que Deus tenha misericórdia de nós!


A palavra apóstolo significa “enviado”, num certo sentido todos os crentes em Cristo são apóstolos já que são “enviados” para serem testemunhas de Cristo e pregarem o evangelho. É por isso que no Credo Niceno-Constantinopolitano a Igreja é chamada de apostólica, já que Cristo a envia ao mundo como sua representante. Mas no tocante a ser um apóstolo, a ter o título, a autoridade, o cargo, isso de fato parou de ser empregado pela Igreja de Cristo após a morte do apóstolo João. A Igreja Cristã Primitiva[1] nunca mais empregou esse título a quaisquer dos líderes que posteriormente vieram.
No sentido Neo-testamentário de ser um apóstolo tal qual foram os primeiros discípulos de Cristo, no qual a Igreja esta alicerçada sobre as suas doutrinas (cf. Efésios 2:20), ninguém na atualidade tem autoridade para isso.
Mas postreriormente a Igreja de Cristo passou a empregar o título de missionário que é um sinônimo de apóstolo, mas sem a mesma autoridade. A palavra Missionário vem do latim MISSIONARIUS, “aquele que é mandado realizar uma tarefa”, de MISSIO, “ato de enviar”, de MITTERE, “enviar”. No sentido ministerial, de serviço a Deus, o termo missionário substitui muito bem o termo apóstolo, sem gerar nenhuma celeuma ou discussões teológicas acaloradas.
Há um conflito entre protestantes históricos e neopentecostais por causa do termo apóstolo. Os protestantes históricos devido ao postulado de Sola Scriptura entendem que o canon do Novo Testamento foi fechado (o que é corretíssimo) e que por isso o ministério de apóstolo também terminou, já que a Igreja está firmada sobre a doutrina dos apóstolos. Ora por essa lógica se há apóstolos, as Escrituras Sagradas ainda continuam sendo escritas já que ainda há apóstolos. E a grande preocupação dos protestantes históricos é que foi o fato de a Igreja ter negligenciado as Escrituras Sagradas que a fez apostatar da fé, fazendo que ela incorporasse vários elementos pagãos. O zelo dos protestantes históricos é correto e prudente.
Contudo a Bíblia cita outros apóstolos como Barnabé (Atos 13:2-4; 14:14), Andrônico e Júnias (Romanos 16:4) e Epafrodito (Filipenses 2:25). Conforme o texto de Atos aponta tais apóstolos seriam “Apóstolos do Espírito Santo”, ou sejam, seriam apóstolos de uma outra categoria diferente dos “Apóstolos de Cristo”. Tais apóstolos teriam a mesma função, mas não a mesma autoridade. É por isso que não há nenhuma Epístola de Barnabé ou de Adrônico ou Epafrodito na Bíblia. É isso que defendeu um dos historiadores reformados A. M. Renwick, professor de História da Igreja na  Faculdade da Igreja Livre da Escócia, em seu livro A Igreja Cristã e sua História (1958).
E é nesse ponto que digo a Igreja sempre teve apóstolos, não de Cristo, mas do Espírito Santo, não com a mesma autoridade, mas com a mesma função, a de serem arautos de Cristo e proclamarem o evangelho. Tais apóstolos hoje são chamados de MISSIONÁRIOS. Se admitirmos isso, preservaremos o postulado de Sola Scriptura.
Os neopentecostais podem usar o título de apóstolo, mas não da maneira que o fazem, colocando-o no topo de uma cadeia hierárquica. Isso não é bíblico. Estão distorcendo o real sentido de um apóstolo do Espírito Santo, que é o de proclamador de boas novas àqueles que não a ouviram. Reivindicar o título de apóstolo em nossos dias, como eram os apóstolos de Cristo, é compreender erradamente o ensino bíblico.
E assim concluo a minha reflexão, esperando na Graça de Deus que tais palavras possam contribuir para uma Igreja Evangélica mais saudável no Brasil.




Notas:                                                              

[1]     Por Igreja Cristã Primitiva me refiro aquela dos 4 primeiros séculos da era cristã.