quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

A FÉ PROTESTANTE NO BRASIL NO PERÍODO REPUBLICANO

ERALDO LUIS PAGANI GASPARINI

A proclamação da República em 1889 trouxe transformações no campo religioso do Brasil. Em 1891 foi promulgada uma nova constituição que estabelecia a divisão entre a Igreja (Católica) e o Estado, bem como assegurava direitos iguais para todas as religiões. Os cemitérios foram entregues para as prefeituras; o casamento civil foi instituído; o ensino religioso foi abolido das escolas públicas. A constituição elaborada foi fortemente influenciada pela filosofia positivista e o liberalismo.

Fonte: Catedral Presbiteriana do Rio de Janeiro.
Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro no final do século XIX.


Como tudo no Brasil, embora tendo os direitos assegurados no papel, na prática a realidade para os protestantes era outra; os mesmos sofriam discriminações e eram perseguidos.
Nas atas de muitas igrejas protestantes, bem como em memórias escritas por pastores da época estão narradas a oposição oferecida pela Igreja Católica com tumulto a cultos, queima de bíblias em praça pública, ameaça e agressão física aos seguidores da fé protestante. Em alguns Estados da União, como o Mato Grosso, foram formadas “ligas anti-protestantes”.
Em 1910, um novo movimento protestante desembarca no Brasil, o “Pentecostalismo”. Este se inicia em Igrejas Metodistas de negros nos Estados Unidos ligadas ao movimento holiness (santidade), no início do século XX e chega aos grandes centros urbanos norteamericanos, com especial destaque para as cidades de Los Angeles, onde em 1906 eclode o “Avivamento da rua Azuza” e Chicago. O Pastor William Seymour, negro e filho de ex-escravos, foi quem iniciou o movimento pentecostal em Los Angeles. A característica do movimento era a ênfase, e ainda hoje é, na pessoa do Espírito Santo e pela experiência de “orar em línguas”. No Brasil o movimento pentecostal foi trazido por Louis Francescon, missionário de origem italiana, que iniciando um trabalho evangelístico com imigrantes italianos em São Paulo fundou a
Congregação Cristã em 1910; Daniel Berg e Gunnar Vingren, missionários de origem sueca, que iniciando o trabalho em Belém (PA) fundaram a Assembléia de Deus em 1911. Estes tiveram contato com o movimento pentecostal em Chicago, durante o período que estiveram nos Estados Unidos. Os Protestantes Pentecostais não foram bem recebidos pelos Protestantes Históricos, devido as suas doutrinas e a forma de culto espontânea, emotiva e barulhenta, todavia eles tiveram grande aceitação entre as classes mais pobres da população brasileira. Em grande parte estas igrejas pentecostais foram organizadas a partir de cisões provocadas dentro de igrejas protestantes históricas.
A vitória da Revolução de 1930 pôs Getúlio Vargas no controle da nação e fez surgir uma oportunidade de reaproximação entre a Igreja Católica Romana e o Estado Brasileiro.
Embora Getúlio não fosse um católico praticante, ele notou que essa reaproximação seria vantajosa.  Assim o ensino religioso é admitido nas escolas públicas; o casamento religioso passa a ter validade civil; a assistência religiosa é consentida para as organizações militares. Pela constituição continua existindo a separação de igreja e estado, todavia a Igreja Católica Romana se tornou uma espécie de igreja “oficiosa”. Isto gerou temeridade no meio protestante e, ainda que em expansão, fez com que o mesmo se tornasse voltado para dentro de si mesmo. De acordo com Robison Cavalcanti, quando Getúlio Vargas caiu do poder em 1945 e houve a redemocratização, setores protestantes saudaram com esperança estas transformações.
Organizou-se, em 1948, no Rio de Janeiro a Sociedade Bíblica do Brasil, cujo objetivo é promover e intensificar, sem escopo lucrativo, a difusão das Escrituras Sagradas como meio de elevação moral, social e espiritual do povo brasileiro.
A partir da década de 50 começou a chegar no Brasil organizações interdenominacionais evangélicas como a MPC (Mocidade Para Cristo), a Cruzada Estudantil e Profissional para Cristo e a IFES (Intervasity Felowship of Evangelical Students) que organizou a ABU (Aliança Bíblica Universitária). Estas instituições caracterizam-se pelo trabalho cooperativo entre as diversas denominações protestantes com o objetivo de propagar o evangelho de Jesus Cristo. Harold Williams juntamente com Raymond Boatright organizam no ano de 1951, em São João da Boa Vista (SP) a primeira Igreja do Evangelho Quadrangular do Brasil, também pentecostal. Em 1955, o pernambucano Manoel de Mello, de 26 anos, organiza em São Paulo a
primeira igreja pentecostal brasileira, com o nome de Igreja Evangélica Pentecostal O Brasil para Cristo. Um evento importante que marcou o final da década foi a realização no Brasil do X Congresso da Aliança Batista Mundial, realizado no Rio de Janeiro entre os dias 26 de junho a 3 de julho de 1960 e conseguiu reunir, aproximadamente, cerca de 200 mil pessoas no estádio do Maracanã no culto de encerramento que teve a participação do evangelista norte-americano Billy Graham. Este evento atraiu a atenção da impressa brasileira e demonstrou o fortalecimento dos protestantes na sociedade brasileira.
Na década de 60 do século XX eclodiu uma nova onda de pentecostalismo que atingiu as igrejas protestantes históricas e fez surgir novas denominações como a Igreja Batista Nacional, a Presbiteriana Renovada e a Metodista Wesleyana, entre outras. O Golpe de 64, que instaurou a  ditadura militar no Brasil, não recebeu resistência por parte dos protestantes. Os protestantes, também vulgarmente chamados “crentes”, de classe média tinham no momento como seu maior embate, a luta contra a discriminação para se afirmarem socialmente.
Durante as décadas de 70 e 80 do século XX os protestantes crescem a taxas altas e constantes. Fatos interessantes que aconteceram no meio evangélico nessas décadas foram os congressos Geração 79 e o Congresso Brasileiro de Evangelização ocorrido em 1983, realizado por diversas igrejas protestantes históricas e pentecostais, que serviram de diálogo para a fundação da AEVB (Associação Evangélica Brasileira) em setembro de 1991. Também neste período surge uma nova vertente no meio protestante, os “neopentecostais”. As igrejas dessa vertente têm sua origem no pentecostalismo e incorporam conceitos e práticas típicas desse movimento como curas, exorcismos e cultos emotivos, contudo seus usos e costumes são mais liberais. O carro motor delas é a Teologia da Prosperidade que diz que o sucesso e a felicidade devem ser alcançados nesta vida por meio da fé. Esta se confirma pelas doações nos dízimos e ofertas alçadas à igreja. A principal igreja neopentecostal fundada nessa época foi a Igreja Universal do Reino de Deus pelo Bispo Edir Macedo no ano de 1977, seguida pela Igreja Internacional da Graça fundada em 1980 por Romildo R. Soares, cunhado de Edir Macedo. Uma dissidência formada por jovens de igrejas protestantes históricas e que participavam da MPC de Goiânia, fundou a Comunidade Evangélica de Goiânia, que posteriormente, após sua expansão pelo território nacional, se tornou a Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra. Em 1986, na cidade de São Paulo, foi fundada a Igreja Renascer em Cristo pelo pastor Estevan Hernandes (atualmente “apóstolo”) e sua esposa Sônia, com grande ênfase no trabalho com jovens e música.
Atualmente as principais bandas de rock gospel, como Oficina G3 e Resgate fazem parte dessa igreja.
O número de protestantes, comumente designados evangélicos, tem crescido muito no Brasil, principalmente os da vertente neopentecostal. O gráfico abaixo descreve o crescimento vertiginoso ocorrido na ultima década do século XX em termos percentuais.


A Igreja Universal do Reino de Deus é a igreja neopentecostal que mais cresce e contava com cerca de 2,1 milhões de membros segundo o Censo de 2000. Além disso, ela é proprietária da Rede Record de  televisão, da Cremo empreendimentos, do jornal Folha Universal, de uma fábrica de móveis, possui uma gravadora a Line Records, e ainda detém o controle acionário do Banco de Crédito Metropolitano. Chego a me perguntar se é uma igreja ou um holding.
Este crescimento vertiginoso tem preocupado alguns setores da sociedade brasileira, em especial a Igreja Católica Apostólica Romana que tem mudado de estratégia para manter os seus fiéis, com especial destaque para a Renovação Carismática Católica. Esta, de uma certa maneira, aproxima-se em suas práticas e ações aos pentecostais e neopentecostais. Esta preocupação se acentuou quando em 1995, em pleno 12 de outubro, o pastor Sérgio von Helder, da Igreja Universal do Reino de Deus, agride a socos e pontapés uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, considerada a padroeira do Brasil pelos católicos, em programa da TV Record.
Também tem despertado interesse junto aos estudiosos e são temas de mestrado e doutorado pelo Brasil afora. Alguns consideram este fenômeno como a maior revolução do cristianismo desde os tempos de Martinho Lutero.
De acordo com o último censo estatístico realizado peloo IBGE, os protestantes ou evangélicos são, atualmente (2010), cerca de 1/5 da população brasileira.