Eraldo Luis Pagani Gasparini
Antigamente definir religião era fácil. Religião do latim religare que significa “religação”, ou seja, religação do homem com Deus (ou deuses). Mas o conhecimento aumentou e as especialidades como a sociologia, antropologia, psicologia, biologia, genética, neurologia produziram novas concepções da mesma ligadas ao homem.
Falar da religião é um assunto complicado e controverso, sempre inspira discussões acaloradas. Mas, afinal de contas, o que é esse sentimento que todos os seres humanos têm em maior ou menor grau?
Temos a concepção marxista de que religião é o elemento alienante da realidade, algo que produz alívio em meio ao sofrimento, a exploração social em que o homem está inserido sintetizado na frase “religião é o ópio do povo”.
Temos a concepção sociológica de Durkheim de que religião é a nomia, aquilo que dá sentido a sociedade, que estabelece as regras de convivência nas quais os indivíduos têm que se encaixar para que haja harmonia na mesma.
Temos a concepção psicológica de Carl Jung de que religião é a manifestação das estruturas psicológicas humanas e que se manifestam através dos símbolos e ritos no culto a Deus (ou aos deuses).
Temos a concepção antropológica de Mircea Eliade de que a religião é “Linguagem Mitica”, manifestações simbólicas de verdades do “ser” humano.
Temos a concepção biológica de que a religião é um aspecto da evolução do homo sapiens, os primatas que “criam” tinham maior chance de sobrevivência.
Temos a concepção neurológica, assim como amar, falar, alegrar, chorar, são funções cognitivas ligadas a áreas cerebrais, assim também “crer” está ligado à atividade de determinada área do cérebro. Essa concepção é uma continuação da anterior.
Para outros há a definição de religião como a percepção humana do além, do que é supranatural, ou seja, do que está além do aqui e o agora, do que está além da matéria, do que está além do natural. Essa percepção vai se formar, porém, de acordo com as estruturas mentais, culturais, sociais de cada indivíduo, de cada grupo. E a consolidação dessa percepção vai depender de cada grupo, de cada época e de cada local. A partir dessa percepção intuitiva os seres humanos constroem mecanismo para entrar em contato com essa outra realidade. A primeira constatação que os seres humanos fazem é de que se sentem parte dessa realidade, mas que estão excluídos dela. É uma espécie de saudade, de nostalgia inexplicável de algo desconhecido, de se perceber cidadão de uma outra pátria em um algum outro lugar, de se sentir exilado. O nirvana dos budistas, a interrupção do ciclo de encarnações e a integração com Bhraman dos hindus, o paraíso celeste dos cristãos, o valhala dos cultos nórdicos, tudo isso é uma construção mental, cultural desse sentimento, a de poder fazer uma viagem de retorno a sua terra de origem.
O ser humano desde tempos primordiais percebe-se diferente em meio à natureza, por isso as construções, as cidades. A maioria dos seres humanos tem dificuldade de se relacionar com a natureza. Poucos vivem em harmonia com a natureza como os índios da Amazônia ou os aborígines da Nova Guiné. Por isso entre outras coisas, o homem se vê como “filho dos deuses” ou criado a “imagem e semelhança de Deus”. O homem se percebe como uma criatura “sobrenatural”.
Mas, então fica a pergunta existe o além, existe o sobrenatural?
O escritor C. S. Lewis respondeu essa pergunta, partindo de outra pergunta:
- Como definimos natureza?
A definição da natureza parte da razão humana, aquilo que é “natureza” é um conceito criado pela razão, logo, a razão está antes da natureza, por conseguinte a razão é sobrenatural. É um raciocínio profundamente filosófico, mas parte do pressuposto de que havendo algo antes da natureza para ela ser enunciada como a mesma, esse “algo” é sobrenatural, sendo esse algo a razão logo a razão é sobrenatural.
Nas ciências atuais é proibido citar Deus, anjos, espíritos, demônios ou forças sobrenaturais para explicar qualquer coisa. Peter Berger vai dizer que a ciência moderna padece de um “ateísmo metodológico”. Assim falar no sobrenatural é uma “heresia” no meio acadêmico. Os “cânones” da academia com seus “clérigos” (pós-doutores, doutores e mestres) baniram para o “limbo” qualquer citação religiosa, falar em Deus é “pecado”, a religião é tratada como um ensinamento “ímpio e pernicioso” que desvia os “crentes” (acadêmicos) da verdadeira e pura fé, digo, ciência.
Você pode citar Deus na antropologia, sociologia, psicologia, história, em qualquer ciência humana, mas somente como algo fenomenológico. Em química, física, matemática, nem pensar, ainda que as partículas subatômicas se comportem de maneira sobrenatural. Isso acontece porque na moderna ciência moderna o pressuposto filosófico adotado é o aristotélico que leva em conta somente o universo perceptível aos sentidos e passível de ser mensurável.
O que temos da presença dos seres humanos superior a 10.000 anos atrás, são somente vestígios, pistas, peças de um grande quebra cabeça incompleto. Muito do que tem sido dito e divulgado não passa, em grande parte, de especulação (imagine um quebra-cabeça de mil peças onde faltam 600). Os arqueólogos recolhem as peças num sítio arqueológico, unem as partes quebradas e reconstroem os artefatos usados pelos homens no passado. A interpretação do que eram esses artefatos passa por uma série de especialistas que “reconstroem” o passado, este passado reconstruído é “interpretado” pelo profissional gabaritado, ou seja, o historiador. A interpretação do historiador vai depender da metodologia por ele adotada, bem como seus axiomas.
No final das contas qual será a história contada?
Como foi dito isto vai depender do historiador, o que faz com que a lógica da História seja como disse Edward Thompson, uma lógica elástica sujeita a controvérsias e a contestação. Assim chegamos ao principal problema da História a de que a verdade objetiva nunca pode ser alcançada, somente a sua representação.
E assim a definição de religião fica em aberto em duas correntes:
- Uma que defende a existência de algo “além”, imanente, espiritual, metafísico, ainda que não plenamente compreensível;
- Outra que defende a religião como uma manifestação única e puramente humana, sem nada “além”.
Qual a verdadeira definição de religião, então???
Isso vai depender do pressuposto filosófico adotado ou como direi da fé de cada um.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ALVES, Rubem. O que é Religião. 9. ed. São Paulo: Vozes, 2008.
ELIADE, Mircea. Tratado de História das Religiões. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
LEWIS, C. S. Milagres. Tradução: Ana Schäffer. São Paulo: Editora Vida, 2006.
QUINTANEIRO, Tânia (org.). Um toque de clássicos: Marx, Durkheim, Weber. 2 ed. rev. amp. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.