sexta-feira, 14 de março de 2025

A Cruzada Albigense e a Inquisição Medieval

Quando poder, política e religião se misturam 


Eraldo Luis P. Gasparini


A religião muitas vezes é tomada pelos poderosos como uma força de dissuasão das massas. Em vários momentos da história, governos e poderes terrenos se apropriaram da fé cristã para concretizar seus planos.
A Apropriação em História pode ser entendida como o ato de se apoderar de elementos de uma ideia, frases ou cultura por um determinado grupo, sem o devido contexto e significado, para que o referido grupo alcance os seus objetivos.
E isso aconteceu de maneira exemplar no caso da Cruzada contra os Albigenses na Idade Média.
Durante a Idade Média, a Igreja Católica Apostólica Romana se tornou um poder terreno, exercendo influência sobre reinos, povos e nações. Determinando regras, costumes e normas sobre os povos na Europa naquele período. Isso ocorreu devido a apropriação da fé cristã, a qual ela julgava ser a única representante legitima na terra. Embora ela mesma tivesse se afastado dos ideais e ações da Igreja Cristã formada pelos apóstolos de Cristo no século I.
Esse envolvimento com o poder e a política aconteceu a partir do reinado do Imperador Constantino e ratificado com o reinado do Imperador Teodósio I.
A partir deste último a Igreja Católica Apostólica Romana se tornou a única religião permitida no Império Romano.
Quando o Império Romano caiu a única instituição romana que permaneceu de pé foi a Igreja Católica Apostólica Romana.
Esta por sua vez se viu no direito e obrigação de intervir na situação política da Europa.
Assim a Igreja Católica saiu de sua atuação na esfera espiritual e passou a atuar secularmente.

OS  ALBIGENSES
No século XIII na cidade de Albi, localizada no sul da França, ao nordeste de Toulouse, no centro de uma região denominada Languedoc, surgiu um grupo com ideias religiosas divergentes da Igreja Católica Romana. Esse grupo religioso se autodenominava como Cátaros, ou os puros. Como os cátaros eram originários de Albi, passaram a ser denominados de Albigenses.
O movimento dos albigenses era dualista, compreendendo o mundo dividido entre dois poderes antagônicos, dois deuses ou entidades espirituais que se opõem: um o Deus do bem e da espiritualidade e, no contraponto, um deus maligno, o Diabo, inserido no mundo material e carnal. Para esses "hereges", como os nomeou a Igreja Católica Romana, passar pela Terra seria uma espécie de purgatório, em que a alma buscava se distanciar da matéria para se libertar da prisão do corpo.
O catarismo albigense penetrou entre as massas populares seja no campo entre os trabalhadores da terra, seja na cidade entre os artesãos e pequenos comerciantes. A principal razão de seu sucesso e expansão inicial foi a postura da Igreja Católica. A Igreja Católica Romana havia enriquecido e ostentava essa riqueza tanto nos suntuosos edifícios quanto na vida cotidiana de seus representantes. Os clérigos não agiam de maneira exemplar. Não guardavam a castidade nem viviam de maneira simples e regrada. Era comum, padres terem barregãs, ou seja, um casamento não permitido ou uma amante, contrariando o celibato obrigatório desde a Reforma Gregoriana (no século XI). Os clérigos viviam em luxo e ostentação, ofendendo os fiéis com a soberba. A Igreja em nada se parecia à Igreja idealizada de Cristo e dos apóstolos.
E pôr os albigenses discordarem e confrontarem seus poderes terrenos, a Igreja Católica Romana organizou uma cruzada para acabar com eles, convocando vários nobres com seus exércitos. Suas ideias e sua negação da hierarquia da Igreja Católica Romana tornaram seus seguidores alvo de uma Cruzada entre 1209 e 1212.


Le sac de Béziers en 1209 - pintura do francês Joseph Noel Sylvestre


O MASSACRE EM BÉZIERS
Um episódio interessante dessa cruzada está o que ocorreu na cidade de Béziers.
Diante da cidade de Béziers, na qual viviam misturados albigenses e católicos, a nobreza questiona o legado papal, o abade de Cîteaux, sobre a postura a ser adotada quando penetrassem na cidade. Como distinguir os "heréticos" dos fiéis? A quem poupar e a quem sacrificar? A resposta é polêmica. Disse o legado papal: "Matem a todos, que Deus saberá distinguir quem são os seus fiéis". A matança em Béziers não poupou nem mulheres nem crianças. Um massacre que deixou marcas na região.
A cidade francesa de Béziers, um reduto cátaro, foi incendiada em 21 e 22 de julho de 1209, e cerca de 20.000 moradores foram mortos depois que a ordem do legado papal, para a entrega de 222 hereges, foi recusada.
A Cruzada prosseguiu até 1213, mas teve sequências ao longo do século XIII.

ANALISE  FINAL
Quando poder, política e religião se misturam, quando a Igreja cristã se envolve em assuntos mundanos e na política, ela se desvia de seu propósito que é manifestar a Cristo.
O Apóstolo Paulo diz em 2ª Timóteo 2:4 que:
“Nenhum soldado em serviço se envolve em negócios desta vida, porque o seu objetivo é satisfazer àquele que o arregimentou”.
Historicamente falando toda vez que a Igreja Cristã se deixou levar pelo poder e se envolveu com os negócios do mundo, dois fatos aconteceram, primeiro ela caiu em descrédito, segundo ela apostatou da fé.
Foi por isso que durante a Reforma Protestante, os reformadores lutaram pela separação entre Igreja e Estado, entre política e religião. João Calvino ensinou que, embora ambos os regimes fossem de origem divina, se deveria preservar a distinção entre eles. A Igreja não deveria se misturar ao Estado. A Igreja não poderia se intrometer nos assuntos do Estado, nem este se intrometer nos assuntos daquela. O espírito da Reforma Protestante buscou aquele mesmo sentimento contido nos evangelhos:
“dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mateus 22:21).